Ricardo Costa escreveu no Diário Económico que em Portugal é mais simples conduzir um banco à insolvência, "do que vender uma bola de berlim na praia." Este comentário, dolorosamente verdadeiro, refere-se a um dos desportos a que os portugueses se dedicam com mais gosto: a contradição.
A síndrome da bola de berlim está por todo o lado. O Estado é o agente principal da sua disseminação.
Vejam lá se não é a volúpia da contradição que atrai uma Autoridade Marítima do Sul quando "ataca" o problema das massagens nas praias algarvias como se da causa maior da civilização humana se tratasse. Ou quando a ASAE avança com uma determinação e uma ferocidade verdadeiramente extraordinárias, apreendendo galheteiros, queijos frescos e alheiras. Ou ainda quando as Finanças, usando uma agressividade digna de um camisa castanha, penhoram sem contemplações e em prazo recorde um cidadão que não pagou 50 ou 60 euros.
Vejam lá se não é apenas por contradição que assistimos à actuação feroz desses organismos de Estado, por um lado, quando, por outro, verificamos que por deficiências na instrução dos processos, casos provados, gravíssimos, de prevaricação da Lei têm desfechos verdadeiramente caricatos, como aconteceu recentemente lá para o norte. Ou quando verificamos um inexplicável arrastamento no tempo da intervenção em processos como os do BCP ou do BPN. Ou quando vemos o mais alto magistrado da Nação declarar, sem corar, que aprovou a publicação da nacionalização do BPN "para salvaguardar os depositantes e assegurar o normal funcionamento das instituições financeiras", agora, de afogadilho, depois de anos de consabido funcionamento anormal dessa mesma instituição. Quando é que deixou então de haver vontade para manter o "normal" funcionamento das instituições financeiras e defender os depositantes?
Digam lá se não é por uma uma fé inabalável no princípio da contradição que se baixam as magras regalias de quem trabalha ou se regateia a ajuda mínima aos mais carenciados, mas se encontra dinheiro para compensar --perdão, garantir o normal funcionamento dos bancos que se meteram em apertos. Só faltava mesmo esta: serem os cidadãos a garantir com os seus impostos a credibilidade perdida dos bancos onde têm os seus depósitos... Deve ser isto o capitalismo popular!
E digam lá se não é esta síndrome da bola de berlim que leva determinados sectores da sociedade, civil e religiosa, a derramar lágrimas de crocodilo perante a pobreza galopante, ou a soar alarmes hipócritas por causa dos casos de endividamento "das famílias", depois de anos e anos a cultivar o efémero e a fazer vista grossa à publicidade escandalosa --onde se inclui a publicidade feita por esses mesmos bancos que agora necessitam do dinheiro dos nossos impostos para sobreviver--, destinada justamente a impingir às famílias as ferramentas do seu próprio endividamento.
Gostaria de ver menos fundamentalismo na actuação de certos falsos defensores da virtude pública, mais "tomates" no ataque aos verdadeiros problemas do país, mais determinação na punição dos verdadeiros autores dos erros que prejudicam a nossa vida colectiva e uma maior elevação dos padrões que regem as decisões políticas e a actuação dos responsáveis. E gostaria de ver a erradicação, pelo menos parcial, deste desporto que se joga entre nós com uma bola de berlim. Assim, não!
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