2009/01/25

Berardo, o revolucionário

Interrompo um silêncio de vários meses para recomendar a leitura da entrevista que Joe Berardo deu ao suplemento Economia do Público de sexta-feira passada.
De facto, tenho visto os economistas e os políticos à rasquinha, sem saberem no que isto da crise vai dar. O Berardo, que é, ele próprio o reconhece na entrevista, um bocado desbocado, diz que está "banzado" e que "tudo aquilo que [aprendeu] até agora, que era analisar as potencialidades, os endividamentos, os dividendos, foi tudo por água abaixo e [que tem] que voltar a aprender de novo [passe a forma pleonástica]." Remata com a frase lapidar "Tem que haver um novo sistema."
Eu cá, desde que ouvi Greenspan dizer que se enganou acerca da capacidade do sistema se auto-regular (assim fazendo do "padre" João Carlos Espada praticamente o único fiel do liberalismo), só tenho a dizer que já nada me espanta. E acho paradigmáticas as afirmações de Berardo.
Estou convencido de que o que vem aí de crise é muito, mesmo muito, mais grave que o que a generalidade das pessoas julgam.
Porque (segundo Anselm Jappe, em artigo que recomendo vivamente) "desta vez, todos os comentadores estão de acordo" sobre que é realmente uma crise sistémica o que está a começar, e não uma "mera turbulência passageira dos mercados financeiros". Mas "todos aqueles que agora apelam a uma «maior regulação» dos mercados financeiros, desde a associação ATTAC ao Presidente Sarkozy, não vêem nas loucuras das bolsas mais do que um «excesso», um abcesso num corpo são".
Continuando assim a varrer a poeira para debaixo do tapete, nunca perceberão que o que realmente se está a passar é uma crise dos próprios fundamentos do sistema em que vivemos. "Os políticos não estão a perceber, estão a dar aquele ar de que é possível recuperar, eu acho que fazem bem, mas eu estou é preocupado com a destabilização que se pode criar da noite para o dia, que crie uma crise social muito grande", Berardo dixit.
As boas notícias são que, depois de ler o discurso de tomada de posse de Obama, fiquei convencido de que ele, tal como o Berardo, também percebeu!

5 comentários:

Rui Mota disse...

O Berardo, de quem não consta ter produzido algo de substancial para a humanidade, anda agora muito preocupado com a "economia de casino"... ele que é a personalização desse fantástico "modelo de desenvolvimento". É preciso lata!
Ainda por cima, conseguiu empréstimos de três bancos o que, convenhamos, não está ao alcance de qualquer mortal. Tenho muita pena dele.
A melhor tirada da entrevista é mesmo a sua preocupação social. Olha, se os portugueses seguem o exemplo dos gregos?...

Raul Henriques disse...

Claro que o meu objectivo não é exaltar as virtudes de cidadão, ou quaiquer outras, do Berardo. Mas uma coisa é certa: não há ninguém mais bem situado do que os capitalistas para perceberem o que se passa com o capitalismo. A maior parte, nem quer acreditar. O Berardo, que é tudo menos burro, percebeu que o que se está a passar não resulta de um mero aproveitamento de um qualquer pequeno defeito do sistema por parte de uns malandros que é preciso punir; trata-se de uma crise a que o sistema capitalista que conhecemos não consegue dar resposta.

Carlos A. Augusto disse...

Concordo com o Rui ao apontar a enorme carga de hipocrisia que as palavras do Berardo revelam. E a sua enorme falta de vergonha!
E saúdo a oportunidade do post do Raul (que bom que era que fosses mais vezes oportuno pá...!), aplaudindo as farpas legitimamente dirigidas aos bonzos da economia.
Só não concordo com a classificação das mudanças inevitáveis que aí virão forçosamente como uma coisa "mais grave, mesmo muito mais grave do que a generalidade das pessoas julgam." É uma afirmação que necessita de clarificação.
Por mim, grave é o que se passou até agora. Grave é o facto de, à luz do sistema vigente, não encontrarmos soluções para os problemas (esses sim, graves!) da humanidade, da fome, da pobreza, da degradação ambiental, do esgotamento dos recursos. Isso sim, é grave.
Serão clichés, mas são estes os problemas para os quais a Humanidade terá de encontrar solução.
Tudo o que signifique a criação de obstáculos ao funcionamento deste sistema, que não respondeu até hoje às necesssidades da Humanidade --agravou-as mesmo!-- são para mim boas notícias.
Esta "crise" tem, na minha opinião, o enorme mérito de ter permitido proporcionar à generalidade dos cidadãos a consciência do seu poder, escondido ou camuflado nas múltiplas dependências forjadas por este sistema criminoso. Foram os cidadãos, o povo, se quiserem, que foi chamado a "salvar" o sistema. Afinal o povo sempre tinha poder e não sabia...
"Não salvámos os banqueiros", repetem-nos vezes sem conta. "Salvámos o sistema do colapso e, com isso, defendemos as pessoas," dizem-nos os cretinos que nos governam.
Com o nosso dinheiro!? E somos depois nós que à luz deste sistema absurdo temos que lhes ir depois pagar juros?!
Resta saber se o povo vai continuar a querer usar esse poder, de que agora uma muito maior percentagem de pessoas tem consciência, para andar a salvar os parasitas da sociedade. Que enquanto ele, povo, anda distraído, lhe vai espetando facadas pela calada...
É daí que virá a novidade e é aqui que está a resolução da "crise".
Tudo o que fôr mau para o senhor Berardo constitui uma boa notícia para mim (num sentido muito amplo, porque até sou sportinguista...).
Ele, como alguns outros, é uma variável a mais na equação da Humanidade.

Rini Luyks disse...

Só acredito nas preocupações sociais de Joe Berardo, se ele distribuir a sua fortuna entre os sem-abrigo que provavelmente dispõem de mais "savoir (sur)vivre" do que ele.
O capitalismo é um sistema baseado na exploração do homem pelo homem, é tão simples como isso. Só pode funcionar com guerras e pirâmides de Madoff ou Dona Branca. Veja agora a Islândia, até há pouco considerada um paraíso de bem-estar.
"Is there nothing to fear but fear itself?", (post Anacruses, 24 de Janeiro).

maria andresen disse...

raul. gostei do teu post. depois falamos. e viva o Obama. m