2009/01/29

A crise e o Berardo

Escrevi, há dias, um post que parece ter sido mal entendido. O tema do mesmo era uma questão que está no centro das minhas preocupações: a crise actual. Pelos comentários expressos, parece que o tema versava as virtudes e defeitos do cidadão Joe Berardo (JB), e o que é bom ou mau para ele; ou, no limite, se prestava a expor as antipatias que o sujeito suscita nos comentadores, presumindo-se, a contrario, a minha simpatia pelo cromo.
Caguei para o cromo. A não ser que, talvez a contracorrente, a mim, presentemente, interessam mais as opiniões dos actores lúcidos do sistema, que as dos seus manifestos opositores. Não confundo, pois, o mensageiro com o teor da mensagem. E aprendi com o mestre da guerra Sun Tzu que só «quem conhece o inimigo e a si próprio não terá a sua vitória posta em causa».
Quanto a mim, o JB provou, pelas declarações que prestou, estar consciente de que a crise do sistema é mais grave e mais profunda que o que alguns teimam em fazer crer.É uma crise dos fundamentos do sistema, que não se consegue resolver com os paliativos habituais, antes exigindo um tipo de medidas de carácter estrutural.
É uma crise que leva o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no discurso que fez na abertura do ano judicial a dizer: «O primeiro [princípio inalienável a adoptar pelo mundo do Direito] mostra-nos a falência dos sistemas de auto-regulação que conduzem sempre à defesa corporativa de interesses de grupo em detrimento dos interesses sociais com os efeitos distorcidos que daí advém, se é que (como diz Luís Máximo dos Santos, em artigo ainda inédito) “não estaremos antes perante uma situação, bem mais difícil, em que as próprias características do actual sistema …. comprometem a possibilidade de uma regulação viável e eficaz”».
O que me interessa aqui é esta última tirada, principalmente por vir da boca de um dos mais altos responsáveis do sistema, ainda por cima no contexto em que foi expressa. Porque é uma tirada de conteúdo “revolucionário”, isto é, põe em causa as «próprias características do actual sistema [as quais, por hipótese] comprometem a possibilidade de uma regulação viável e eficaz».
Os actores principais do sistema que nos regula dominavam, ainda há bem pouco tempo, as causas e os efeitos do dito; e tudo ia correndo sobre rodas, com os mais ricos enriquecendo ainda mais, à custa do endividamento dos pobres e dos remediados que queriam comprar casa ou carro. Subitamente encontraram-se, como o Berardo, «banzados». É ver os debates dos economistas, dos políticos, dos juristas, na televisão. E os artigos de opinião nos jornais. Estão todos à rasca; não sabem o que esperar do dia de amanhã, não sabem propor receitas para uma crise que os ultrapassa.
Tem portanto razão JB quando diz que «os políticos não estão a perceber», apesar de estarem «a dar aquele ar de que é possível recuperar». Pela própria formulação, vê-se bem que JB duvida muito disso, mas vai dizendo «que fazem bem». Remata então JB, dizendo que está mas «é preocupado com a destabilização que se pode criar da noite para o dia, que crie uma crise social muito grande».
— Pois, lá está o hipócrita! Com que então agora é que ele descobriu a sua vocação filantrópica para com os pobrezinhos?!
Esta abordagem figadal é inimiga da razão. Porque não deixa ver que JB não manifesta aqui preocupações “sociais” senão na medida em que, para que os negócios em que ele anda metido se processem na paz dos anjos, o que menos lhe interessa é que sobrevenha uma «destabilização que se pode criar da noite para o dia, que crie uma crise social muito grande». É por isso, para o povo estar sossegado, que ele diz que os políticos «fazem bem» ao darem «aquele ar de que é possível recuperar».
Interessa-me muito mais ouvir isto da boca de quem está com a mão na massa (nos vários sentidos da expressão), que da boca do Louçã ou do Jerónimo, ou mesmo, hoje em dia, dos economistas e da maioria dos políticos.
Entre estes últimos, exceptuo o Obama, depois direi porquê.

5 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Mea culpa por não ter expressado bem o que queria dizer.
O Berardo para mim é uma metáfora. Aliás há vítimas da "crise" com perdas, se calhar, bem mais significativas. E o corolário social dessas perdas é bem mais grave do que o que se passa com o sr. Berardo. Estou-me a lembrar dos fundos de pensões e nos pequenos investidores.
Neste sentido, a "crise" e temor pelo futuro só podem existir na medida em que, como diz o nosso amigo Fernando Mora Ramos num texto inédito, "faltando uma ideia de futuro culturalmente estruturada, falta tudo."
E, nesse aspecto, as perspectivas não são de facto animadoras. Mas, também não me parece que a situação seja totalmente desesperada.
E quem sabe se o futuro não acaba mesmo por pertencer aos malucos que vêm insistindo no despojamento e no respeito pela singularidade humana...
Nunca ninguém contabilizou o dinheiro que temos perdido por defender esses valores. Até nas perdas os Berardos deste mundo é que têm riscado...

Rui Mota disse...

Sobre o assunto em discussão, aconselho a leitura do artigo de Leonard Boff, no boletim "Agência Carta Maior", do passado dia 10 de Janeiro.

ver: http://www.agenciacartamaior.com.br./template/materiamostrar.cfm?materiaid= 15475,
para ler o artigo.

Carlos A. Augusto disse...

Para melhor aceder ao link referido pelo Rui carregue aqui.

Raul Henriques disse...

Obrigado pela indicação de leitura, Rui.
Ficou claro qual o substracto do que eu quis dizer, dado que esse artigo alinha, de facto, pelo mesmo diapasão.
E, Carlos, olha que o pior está, realmente, para vir. Não para os Berardos ('tadinhos) mas para os habituais bombos da festa: nós todos.
Mas alinho a teu lado, sabes bem, no bando dos "malucos que vêm insistindo no despojamento e no respeito pela singularidade humana..."

Carlos A. Augusto disse...

Raul: partilho e compreendo totalmente a tua preocupação. Vejo o futuro com optimismo, mas concordo que o presente não vai ser fácil para ninguém.
Mas, repito, temos aqui uma oportunidade que já há muito tempo nos escapava.