Há tempo escrevi aqui um comentário sobre o cinismo que os instalados no poder revelam ao abordar a questão do mérito. O mérito, para além de ser necessário tê-lo, precisa de ser reconhecido, e precisa de ser reconhecido através de actos concretos. Se assim não for, o mérito não passará nunca de uma curiosidade, de um número de variedades.
Em Portugal, o mérito é doença que suscita imediatas e violentas reacções de rejeição. Poder e falta de mérito vão aqui de mãos dadas. O exemplo vem de cima e pega como fogo em seara seca, por isso, o reconhecimento oficial do mérito, na prática, não existe.
Por mais "roteiros presidenciais" (iniciados por Mário Soares, recorde-se, que Cavaco segue à letra), por mais visitas simbólicas aos "centros de excelência", feitos por suas excelências, o círculo de giz caucasiano não se rompe. Fala-se em mérito e, na prática, ouve-se logo sacar da pistola!
Ainda há dias o professor António Damásio dizia, em entrevista na SICN —por palavras cuidadosamente escolhidas, mas dizia!— que a sua investigação não seria possível em Portugal. A ele coube reagir à falta de condições que tinha e escolher os EUA para fazer o seu trabalho. A nós todos, sobretudo os mais responsáveis, caber-nos-ia e cabe-nos perguntar, porque não? E é aqui que esta questão do mérito e do seu reconhecimento se começa a embrulhar num novelo cuja ponta precisamos de urgentemente encontrar.
Hoje o Público, num artigo de Teresa Firmino, refere que uma equipa de cientistas portugueses, que trabalha com a equipa que ganhou o Nobel da Física pela descoberta do grafeno, viu o financiamento de um projecto seu que permitiria avançar no domínio da investigação sobre este novo material, ser recusado pela FCT. Um responsável da equipa portuguesa, o professor Nuno Peres da Universidade do Minho, diz, ainda segundo o Público, que "vamos continuar a trabalhar —sem dinheiro, com mais dificuldade—, porque a nossa motivação é compreender a natureza e daí tirar vantagens para a vida das pessoas."
Um dia destes vão todos tentar alapar no "mérito" destes investigadores, vão ver. Talvez mesmo distingui-los em breve com uma paragem do "roteiro" eleitoral e, para o ano, o presidente eleito vai conceder-lhes uma medalha de um "mérito" qualquer, num qualquer dia, de um qualquer Camões, sem corar de vergonha pelo ridículo do seu acto...
Depois continua tudo na mesma.
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