Doze dias em Amsterdão, sendo pouco tempo, permitem perceber algumas alterações de humor neste povo tradicionalmente cordial e afável. A cidade, que durante décadas ostentou o título de uma das capitais mais tolerantes da Europa, está a tornar-se da "cor" da estação do ano. O Outono é, por definição, mais cinzento.
Logo à chegada ao aeroporto, enquanto compro o bilhete de comboio que há-de transportar-me ao centro da cidade, a funcionária - já depois de ter-me atendido - repreende grosseiramente uma mulher muçulmana de meia-idade (que ousou perguntar-lhe uma informação, enquanto eu recolhia o troco do pagamento) obrigando-a a ir para trás de mim e esperar pela sua vez. É verdade que, formalmente, a funcionária tinha razão, mas duvido que usasse aquele tom de voz com um holandês.
Porque o sistema de controlo nos eléctricos é agora feito através de um cartão electrónico (chip-kaart) quem não o tiver terá de comprar um bilhete válido por uma hora. Nem todos os estrangeiros falam holandês, mesmo aqueles que vivem há anos nesta sociedade. Os muçulmanos (normalmente marroquinos) que não se fazem entender à primeira, correm sérios riscos de serem despachados com frases de duplo sentido, ditas entre sorrisos de escárnio e aparente amabilidade.
No dia da meu regresso a Lisboa tento, sem êxito, fazer o "check-in" numa das máquinas do aeroporto. O computador não reconhece o número da minha reserva e pede-me outra identificação. Introduzo o passaporte e recebo uma reserva com outro nome, ainda que com o mesmo apelido. Em desespero de causa dirijo-me a uma funcionária que tenta perceber o erro enquanto me pede o passaporte. Porque tenho cinco nomes não consegue atinar com o apelido. Explico-lhe que a reserva está feita em nome do primeiro e último nome. Ela tenta desesperadamente todos os apelidos e desiste, tentando enviar-me para outro balcão. Recuso e peço-lhe para tentar Rui Mota. Acede, contrafeita e, quando descobre o óbvio, vira-se para mim com ar de enfado e exclama: "com tantos nomes, não é para admirar que não encontre a sua marcação!". Refreio os meus impulsos para lhe responder à letra, pois não quero perder o avião e ainda tenho de tirar o cinto e os sapatos quando passar o controlo electrónico...
Os holandeses andam nervosos e a recente chegada ao poder de uma coligação de direita, apoiada pelo partido do xenófobo Geert Wilders, contribui para o aparecimento dos "little men" de que falava Willem Reich nos idos anos quarenta...
4 comentários:
Há quatro anos assisti a uma cena muito semelhante em Amesterdão entre um proprietário de uma loja de instrumentos musicais e um jovem cliente que interrompeu uma conversas que estávamos a ter. Foi simplesmente posto na rua! Por pedir um preço de um produto que estava exposto interrompendo a nossa conversa.
Não querendo fazer de advogado do diabo e tendo em conta que já lá vão 4 anos e que poderão entretanto ter ocorrido novos episódios que contribuam para piorar as coisas, diria que a origem dos nervos jaz a montante de tudo isto.
Os "mercados", lá como cá, estão atentos. Só que lá, embora a atenção já venha de longe , só agora, se calhar, começa a provocar estragos sérios... É só um pensamento, não tem mais valor que isso.
Pois, também eu ando nervoso com os "mercados", mas conheço bem alguns "sinais". E estes, não enganam...
E eu ainda a matutar se hei-de voltar ou não viver para essa cidade....
Cara Isabel,
As cidades são as pessoas que nelas vivem. Como as pessoas vão morrendo, as que lá estão agora não têm de ser necessariamente boas. É a vida, como dizia o outro...
Mas, a escolha é difícil, concordo.
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