2010/12/22

Já nem vale a pena manter as aparências

As expressões "mercados" ou "agências de rating" não passavam até há pouco tempo de conceitos distantes e abstractos para a maior parte dos leigos. Seriam referidas como se terá pronunciado, imagino eu, a palavra Papa durante séculos. O Papa, lá de longe, decretava, excomungava, decidia sobre a veracidade da mentira e a aldrabice da verdade e a malta, respeitosamente, flectia o joelho e acatava, com temor reverencial, os seus ditames.
Infelizmente para o novo papado, a informação não circula com a lentidão de outrora e os símbolos deste novo poder estão muito mais sujeitos ao escrutínio imediato dos povos. Hoje só quem insiste em viver nas estrelas ignorará a verdadeira natureza deste novo pontificado.
O filme "Inside Job", referido pelo Rui Mota aqui, traça um retrato implacável dos "mercados". As agências de "rating" não passam, quanto a mim, de novos piratas. Os pontífices desta nova religião, diz quem sabe, deixariam os dissolutos Bórgias e Medicis corados de vergonha... ou roídos de inveja. Os processos, a crueldade e a discricionariedade destes novos pontífices fariam empalidecer Gregório IX.
E, contudo, as nações dobram-se hoje perante os papas desta nova religião e inquietam-se perante a possibilidade de serem excomungados por desrespeito a S. Mercado e S. Rating, os jovens santos, recentemente canonizados, mentores desta nova igreja. Teme-se a bula, tenta-se comprar as indulgências a juro favorável.
A submissão a este novo papado ilegítimo e imoral surpreende. Surpreende, por exemplo, a forma desavergonhada como um representante do Ministério das Finanças de Portugal, representante de um governo legitimado pelo veredicto do povo, declara, de forma submissa e reactiva, respondendo directamente a uma ameaça de um agente privado de um poder ilegítimo: "Reitera-se que tudo se fará no sentido de contrariar os riscos que estão na base do anúncio da análise por parte da agência Moody’s e isso reflectir-se-á, confiamos, na decisão resultante dessa análise durante o primeiro trimestre de 2011."
"Tudo se fará"... Prostrados "confiamos..." É, portanto, uma questão de fé. Pornocracia II.

1 comentário:

Rui Mota disse...

O círculo fecha-se, de facto. Agora é a Moody's a "ameaçar" que vai rever as notações em baixa. Aparentemente, a economia não cresce e vamos entrar em recessão.
Claro que vamos entrar em recessão: se os impostos aumentam e os salários baixam, os consumidores retraiem-se e deixam de comprar. Sem compradores, os produtores vão à falência e despedem os trabalhadores que ficam sem poder de compra. Não há retoma económica e as agências de "rating" dão-nos nota baixa, o que faz aumentar os juros. Os credores esfregam as mãos!