2011/02/10

O estado social que temos

A descoberta de um cadáver, velho de nove anos, num andar de um condomínio dos subúrbios de Lisboa, é grave por diversas razões. Desde logo as responsabilidades da família directa que, apesar dos sinais existentes, não exigiu às autoridades uma acção consentânea com o desaparecimento da familiar; depois, o laxismo das autoridades, no caso a GNR, que preferiu ignorar os avisos de uma vizinha e de um familiar, recusando dar seguimento aos seus pedidos para forçar a porta da habitação; por fim, os serviços da segurança social e finanças que, durante anos a fio, nunca se questionaram sobre o não levantamento da pensão de reforma e o pagamento de impostos pela falecida. Que a vizinhança, de uma forma geral, nunca se tenha questionado sobre o repentino desaparecimento de uma idosa que vivia só, é apenas mais um dado a acrescentar ao individualismo e à solidão existentes nesta sociedade.
Temos pois, aqui, dois problemas de há muito conhecidos: a falta de solidariedade e crescente isolamento na sociedade portuguesa; e as insuficiências de um estado pretensamente "social" que falha em toda a linha em questões tão prementes como o apoio a idosos, certamente o grupo mais frágil de uma sociedade doente.
Finalmente, a descoberta deste insólito e macabro caso, que só foi possível graças à acção de penhora e a venda em leilão da habitação em questão. Ou seja, foi preciso haver uma dívida ao fisco, para as autoridades descobrirem o que o "simplex" não conseguiu em nove anos de descuido social. Quando os cidadãos deixam de contar como pessoas e passam a simples números fiscais, é isto que pode acontecer. Resta-nos a consolação de que, mais tarde ou cedo, o fisco acabará por dar sempre connosco. Na pior das hipóteses, nove anos depois de mortos.

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