2011/02/11

Parágrafo extemporâneo - Do ego à idolatria

Parece que passar a própria fronteira do eu é qualquer coisa que a pele limita como exterior do corpo, a sua alfândega simbólica e real, isto é, o corpo, a pele e os sentidos são as nossas antenas ao fora de nós e simultaneamente a porta de entrada para o exercício de todas as sensibilidades e subjectividades, quando o sensorial toca as cordas do sensível e o faz ficcionar ou mesmo quando fica ali na beira, à espera de se expressar ou perceber, já que os sentidos não são propriamente um sensor de descodificações absolutamente científico, se é que isso existe, esse absoluto científico, e não é mais uma ficção sempre em busca de uma confirmação que não vem e esse nunca vir é a nossa própria existência. Mais que animal político somos animal de ficções e essa é a descoberta do capitalismo cultural, a matéria dos sonhos, o desejo e as suas vias, como mercadoria. Teremos dificuldade em sair da própria pele e o outro, essa abertura ao outro, é temporária, como se a identidade, sob a forma de uma solidão fatal nos cerceasse a própria vontade do outro em nós, essa troca sem troca, essa identidade dual. E quando projectamos esse egocentrismo num ídolo, ou em qualquer fetiche, o que fazemos é regressar a nós, ou melhor perdermo-nos numa deriva do desejo que é marcada por algo que significa deixar de ser, temporariamente, para voltar ao reduto do eu, seguro porto de abrigo. Já o amor é outra praia. Como se de facto nos tocasse com uma varinha de condão de outro tipo que não a fábula que infantiliza e de repente fosse algo como sentir que a água ligeira da maré que nos toca os pés, macia e fresca ali ao verão mas sem excessos de temperatura, nos integrasse numa outra realidade e essa é o cosmos. Aí a abertura ao outro é realizada no exterior do mundo que o mercado dita, pois na realidade só acontece quando não é ditada pelas condicionantes da mercadificação total.

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