2011/03/07

O grupo de trabalho

Quando ouço falar de grupo de trabalho logo penso que o trabalho que o grupo teria — ou terá, que eles estão para durar e crescer com o emagrecimento do Estado, pois não há nada para oferecer às clientelas que não seja temporário agora e fora dessa “eternidade” que era entrar para o quadro — de desenvolver está, logo no seu arranque de existência, suspenso pelas mil e uma contingências que fazem com que os grupos de trabalho sejam grupos de destrabalho. Só para se encontrar o tempo comum de trabalho neste tipo de grupos há desde logo todo o tipo de impossibilidades, pois grupo de trabalho quer na realidade dizer menos que part-time, biscate, desencontro regulado, qualquer coisa no meio de levar as crianças à escola ou de as trazer da escola e levar ao inglês, ou de ir de fim-de-semana prolongado para a casa do Alvito ou a Madrid ao Prado, ou mesmo do casamento da prima e por aí adiante.
Em primeiro lugar a questão da necessidade: um grupo de trabalho deve ser uma organização extraordinária para tratar de uma questão extraordinária e não uma associação de promovidos de circunstância a tratar de questões ordinárias. Ninguém de boa cepa e saúde mental pode aceitar que um Estado Democrático não cubra organizada e organicamente, através de serviços específicos, questões como as que se relacionam com a nossa identidade, chame-se a isso património imaterial ou património material. É inaceitável que não existam serviços permanentes do Estado a tratar da nossa memória global como da nossa vida futura, numa perspectiva prospectiva. Saberão o que isso é? É para o país o mesmo que a história nacional é para os portugueses que crescem na escola pública – pública sim, porque a privada, pode ser inglesa, chinesa, o que os privados entenderem legitimamente, podendo nelas decidir dar apenas a história dos mandarinatos, golfe e como chupar sumos frescos pela palhinha.
Em segundo lugar a questão do recrutamento: muitas vezes não se escolhem pessoas para integrar um grupo de trabalho que sejam competentes, idóneas, independentes, especializadas no trabalho em questão e finalmente com provas de produtividade dadas, isto é, com obra e não com currículo de funções apenas, cargos, proximidades electivas, primos no partido. Mostra-me a tua pintura, não me mostres o cartão do partido, já dizia o outro.
Em terceiro lugar os grupos de trabalho, sendo extraordinário, deve concentrar em si questões candentes das necessidades nacionais extraordinárias como trabalho, isto é, desenvolvimento de soluções de mudança para melhor – a maior parte das vezes muda-se para pior, as gerações que se têm sucedido, quanto mais escolarizadas menos capazes de agir e menos metódicas, eficazes, perdidas na ficção online ou na desconexão mental, na incapacidade de focarem um território, de sequer terem a capacidade de organizar uma reunião como produtividade e não como diletantismo anacrónico e passatempo (não se fala aqui de investigação e de pesquisa em áreas de ponta, pois este tipo de elites e organizações mantém uma patamar de rigor nos projectos que não existe em mais lado algum, o mesmo sucedendo em alguns serviços públicos).
Em quarto lugar os grupos de trabalho devem fazê-lo, ao trabalho, sem gratificação de algum tipo, dado que a maior parte das vezes são emprego acumulado mesmo que temporário. Devem, isso sim, ter as despesas pagas. Em alternativa, caso a relevância do caso se justifique, devem exercer a função temporária em termos de exclusividade. Isso é que é servir o país e não chular o Estado.
Em quinto lugar devem ter plano e prazos pré estabelecidos e não surgir no meio do desejo vago de resolver uma coisa não delimitada quanto ao quadro material de execução, datas, objectivos, etc. Quem cria o grupo de trabalho tem de saber porque cria o grupo de trabalho e não criar o grupo de trabalho para que o grupo de trabalho descubra aleatoriamente para que existe no meio de uma qualquer deriva.
Em sexto lugar e em nome do trabalho liquidem-se os grupos de trabalho, apetece dizer.
Da minha experiência de ter integrado a 11ª Comissão para a reforma do Ensino Artístico – trabalho não remunerado – a convite do Professor Rui Nery declaro o seguinte: as conclusões para lá andam, no Ministério da Educação e não serviram para nada. Depois desse trabalho, feito por pessoas generosas e sem pagamento, repito, surgiram outras comissões, a 12ª por certo e não sei se mais, perdi-lhes o rasto pois a certa altura são clandestinas, trabalham para a sua própria existência improdutiva em circularidade becketiana.
O problema disto tudo? Inconsistência ética e impreparação profissional, o que é mortal. A que se deve? À comercialização de todas as esferas da existência e à sujeição à “ética” do mercado, o tal que tudo regula pela concorrência competitiva mesmo que isso se faça à custa da destruição planetária, em doses de catástrofe regulada, claro. Isso faz a cabeça dos governantes e dos governados, tudo é negócio. Não há função de Estado que não seja negócio e não se argumente como economia, mercados, bens transaccionáveis e etc. Como poderá sobreviver o país das décimas, das brincas, da guitarra campaniça, dos caretos, etc., das rosas ramalhos que estão por vir também, sem que, em nome da sacrossanta rendibilidade e sustentabilidade (falta um alavancar aqui, esse verbo que cheira a pétalas) lhe ponham em cima a força bruta do que para ser turístico é pintado de fresco e repleto de flic-flac’s de amabilidade de cerviz dobrada, como aliás a história e o presente demonstram quando, sob uma ruína nova, surge a preciosidade anterior, ou quando sobre uma duna, uma arriba ou um leito natural se erguem aldeias turísticas e vivendas tipo senhorial. O problema é que o turismo, essa colonização global pelos mesmos padrões, é o mesmo mundo que tudo transforma em 3, 4 e 5 estrelas (às 6 chegam só os donos do mundo) o mesmo mundo mascarado de outros mundos. O desaparecimento das raízes dos mundos que se vendem como outros para supostamente sobreviverem é a sua destruição, a sua conversão em bordel ou casino, ou se se preferir em casino e bordel.
Então que dizer dos mundos dos bens imateriais coitados? Não se dá por eles, como poderão sobreviver à invisibilidade nos tempos da ditadura da visibilidade.
E não haverá dessas coisas no Centro Comercial? Faça-se um grupo de trabalho para averiguar.

1 comentário:

Rui Mota disse...

...E não se pode exterminá-los?