2011/08/31

O dia em que os porcos voaram...

Encontra-se em exibição, numa sala de Lisboa, um filme assaz interessante. Trata-se do documentário "A autobiografia de Nicolae Ceausescu" (Ceausescu par lui-même) do realizador romeno Andrei Ujica. Na verdade, mais do que um documentário, trata-se de um verdadeiro "documento" sobre a ascensão, reinado e queda do ditador que governou a Roménia entre 1964 e 1989.
Contrariamente à maior parte dos documentários históricos, que seguem uma narrativa mais ou menos estruturada e onde, para além dos diversos pontos de vista, as imagens são frequentemente sublinhadas por uma voz "off", esta "biografia" de Ceausescu tem a particularidade de ser editada a partir das filmagens oficiais que o ditador mandava fazer de si mesmo. Ujica necessitou de quatro anos para visionar e editar mais de 1000 horas de filme, antes de chegar ao produto final, um condensado de 3 horas...
O documentário começa com o célebre julgamento de Nicolae e Elena Ceausescu, após a sua captura em Dezembro de 1989, dando depois início a um longo "flashback" sobre as principais fases do governo romeno. Destaque para os congressos do partido comunista, onde o culto do camarada Ceausescu atinge proporções faraónicas, só ultrapassadas pela sua visita à Coreia do Norte, onde o regime de Kim Il Sum lhe proporciona uma recepção ainda mais apoteótica. Inúmeros são, também, os visitantes ilustres que passam pela Roménia, desde De Gaulle a Nixon, da mesma forma que o filme mostra as viagens do casal Ceausescu aos EUA, a Inglaterra e à China, onde é recebido por Carter, a Rainha Isabel II e Mao Tse Tung.
Não faltam momentos de antologia, entre os quais as festas da "nomenklatura" romena e as caçadas do casal Ceausescu, nas quais o ditador dispara animadamente contra ursos e veados, alimentados em coutadas do regime. Um dos momentos mais hilariantes é a intervenção do camarada Parvulescu, que pede a palavra em pleno congresso do partido para se opor à reeleição de Ceausescu, acusando-o de manipular o Comité Central onde, mais uma vez, seria eleito. Do camarada Parvulescu nada sabemos, mas não nos custa acreditar que ele não tivesse sobrevivido ao fim do regime.
Num dos últimos discursos do filme, Ceausescu ensaia uma piada que os presentes, entre os quais a sua devota mulher, aplaudem demoradamente. Dizia ele, que o capitalismo nunca triunfaria na Roménia. Mais fácil seria ver um porco voar. E enquanto todos riam, ele avisava: "não se riam, que com os avanços da ciência genética, nunca se sabe o que o futuro nos reservará".
Vem-me à memória esta cena ao ouvir hoje o Nicolae da Madeira a justificar a dívida que contraiu à custa dos nossos impostos. Resta-me a esperança de ver a genética avançar de tal modo que os porcos possam voar.

3 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Aguardo com ansiedade a resposta do povo da Madeira agora que são mais claramente conhecidos os contornos do bailinho que por lá se dança. Espero sinceramente que o civismo e o espírito democrático prevaleçam.
Mas tendo em conta a extensão da bronca, não sei depois de tanto tempo de "devoção" o povo da Madeira, quando descobrir que afinal a história estava mal contada, não acaba dando um tratamento semelhante ao que o Ceausescu acabou por ter dos seus "devotos apoiantes".
É que isto de devoções escreve-se de modo, por vezes, arrevesado e a insularidade marca...

Rui Mota disse...

Que a tua profecia seja cumprida, são os meus desejos.

Carlos A. Augusto disse...

Fui ver o filme e recomendo-o também.