2011/08/30

Brandos ou lorpas?

Os portugueses são descritos frequentemente como um povo de brandos costumes. Na situação actual alguns autores e analistas afirmam que essa brandura de costumes está contudo em risco e que a tampa poderá saltar a qualquer momento, fruto da escalada da degradação de condições de vida para além do suportável. Duvido. O confronto não tem de ter necessariamente uma expressão violenta, mas pode e deve ocorrer se as circunstâncias o justificarem. Podemos ser brandos no confronto, mas isso não significa demitirmo-nos dele e, sobretudo, que tenhamos que ser lorpas. Ora, os portugueses não dão boas indicações neste domínio.
Veja-se o anunciado processo de privatizações. Já se lhe antevê um desfecho (se o desfecho vai ter ou não o sucesso desejado é outra coisa...) e creio que a maioria esmagadora dos portugueses ainda nem se deu conta do que aí vem, nem lhe adivinha as consequências.
Não falo nas privatizações dos bocados suculentos das empresas onde o Estado ainda ganha algum. Embora ache simplesmente estúpido e um acto de má gestão a perda de receitas seguras ou de posição estratégica em sectores como a energia, o transporte aéreo ou os seguros, por exemplo, nada disto me coloca dúvidas existenciais. Não se tratando de sectores vitais, parece-me um acto de simples incompetência deixar escorregar das nossas mãos, nesta altura, todo este potencial. Talvez as novas sedes destas empresas se acabem até por mudar para um qualquer paraíso fiscal, como referia o Rui Mota ontem aqui, e se percam, para além das receitas, parte significativa das receitas fiscais. Mas, como já estamos habituados a estes actos de "gestão" a coisa não parece de todo inusitada.
Outra questão diferente é a privatização da RTP e, sobretudo, das Águas de Portugal. Não deixa de ser estranho que não haja um debate sério sobre esta matéria, que os partidos da oposição não o promovam e que tanta cabecinha pensante deste país, que perora sobre tudo e mais um par de botas, se mantenha em silêncio perante o que está aí para acontecer.
O panorama dos orgãos de comunicação em Portugal é lamentável. Quando o classifico assim não me estou a referir ao seu aspecto exterior, ao figurino que passeia nas passerelles públicas todos os dias. Nesse sentido Portugal não é diferente de qualquer outro país ocidental ou ocidentalizado. A comunicação social, em Portugal como em muitos outros países, é um dos instrumentos usados pelos ricos para promover um certo modelo de vida, este modelo de vida em crise para os pobres, desenhado para engordar justamente os ricos.
A "comunicação social" não é nem mais nem menos que isso: um elemento vital nesta estratégia de condicionar sonhos e formatar o pensamento ao serviço de quem o sabe manipular. A RTP não é, também neste contexto, outra coisa senão uma ferramenta de manipulação. Mas, ao contrário do que se passa com a SIC ou a TVI, é nossa! Em última análise, temos sempre a possibilidade de questionar o seu sentido e de lhe exigir a correcção do rumo. Não sendo especialista nestas matérias, ainda assim, acho, como mero observador, que é isso que me parece que desde o 25 de Abril se tem passado quanto à RTP: um questionar constante do seu sentido e um esforço constante para lhe corrigir o rumo. Os resultados são os que conhecemos, uma desgraça. Mas a grande diferença é esta: podemos sempre exigir uma prestação de contas, porque a RTP tem de nos prestar contas. Só a nossa demissão impede que isso seja feito.  As ingerências na SIC ou na TVI, conditio sine qua non, ficam entre muros (excepção feita ao episódio Sócrates & Manuela...), na RTP tudo salta naturalmente cá para fora.
O que se prepara é a doação deste poder a mais um qualquer grupo económico. O que se prepara é a existência de mais um canal que vai promover o ponto de vista do dono sobre o sistema em que acha que temos de viver, manipulando como puder, como se faz agora, sem que o possamos questionar, como agora se pode fazer. O que se prepara é uma delegação injustificada de poderes, sobre a qual, repito, ninguém parece reflectir de modo sério. O que se prepara é mil vezes mais grave que a "venda" do BPN a patacos, mas ninguém parece muito preocupado com isso.
O coro indignado  dos donos dos canais privados revela apenas apreensão quanto à partilha de influência, é uma questão entre eles. Não há razão para temores. Se a privatização for para a frente (nunca se sabe...) resta-nos sempre a possibilidade de fazer ao futuro canal o que eu faço à SIC e à TVI: cortar-lhe o pio! Não me agrada assistir à operação de lavagem colectiva ao cérebro que as televisões proporcionam aos meus concidadãos, mas, pelo menos a mim, não me apanham na conversa e não me incluem nas audiências.
Outra coisa bem mais grave é aquilo que se prepara com a água. Estamos perante um bem que não podemos escolher, vital e escasso, que ao que tudo indica vai ser entregue a "privados". Para quê?! Que liberdade de escolha proporciona a entrega das Águas de Portugal à "iniciativa" privada? Que "iniciativa" é esta? O que é "privatizar" a água? Que mais valia poderia trazer? Que vantagem ignota proporciona? Para que raio serve uma operação desta natureza? Estarão os portugueses cientes daquilo que lhes vai acontecer, do modo como vão ficar condicionados no que de mais vital existe nas suas vidas? Preparam-se para entregar a gestão deste último dos nossos "baldios" a um único senhor e fica tudo calado, sem reacção?
Será que afinal brando é lorpa mesmo?

6 comentários:

Rui Mota disse...

Brando é lorpa mesmo.

Silvestre Pedrosa disse...

O que me irrita é nesta sede de privatizações ninguém se lembrar de privatizar o estado. Sugiro um movimento pró-privatização do estado JÁ!

Carlos A. Augusto disse...

Comecemos pela Madeira...

Rui Mota disse...

Silvestre,
O estado será a última coisa a privatizar. Doutra forma, como podem privatizar o resto?

Carlos A. Augusto disse...

Insisto: comecemos pela Madeira!!

Anónimo disse...

Vocês deviam era privatizar a Igreja e a Maçonaria !!!