2011/12/20

A receita deste governo: manter o paraíso para os poucos que dele têm beneficiado

Haverá quem ache certamente que a acção deste governo é séria (se calhar até mesmo dentro do governo!). Haverá quem ache que as sugestões que têm sido feitas (a última feita pelo próprio primeiro ministro) para que os portugueses procurem no estrangeiro a cura milagrosa para os seus males são legítimas.
A ideia de propor a um português que se vá embora, feita por um alto responsável desse país, eleito com base num determinado programa sufragado nas urnas, é, em si mesma, abjecta. Só esta geração de governantes que é a que presentemente nos dirige, arrogante, ignorante e profundamente estúpida poderia contemplar sequer uma hipótese destas. Talvez nem tudo seja, contudo, estupidez inocente.

Muito se comentou a recente sugestão de Passos Coelho. O incómodo que causou é evidente e generalizado. Por mim, faço a pergunta: que benefício colheria o país de uma hipotética fuga dos seus cidadãos mais qualificados para os novos "paraísos" da economia mundial?
Não seria a emigração desqualificada de outrora esta que agora se sugere, mas sim a fuga desordenada de um conjunto altamente qualificado de gente —"a geração mais qualificada de sempre," como frequentemente é referido— que deixaria um vazio. Uma saída em massa para o estrangeiro de toda esta gente privaria o País, seguramente, do que de melhor temos neste momento.
Nem sequer estaríamos perante o fenómeno do torna-viagem que caracterizou os picos de emigração anteriores. Hoje, quem decide partir, fá-lo sem vontade de voltar a Portugal, mais consciente do que nunca do desamor da Pátria por si e da incapacidade para lhe proporcionar condições de vida, a si que, justamente por causa disso (contradição insanável!), a tem de abandonar.
Neste cenário de divórcio, litigioso e sem remédio, o país não só deixa de poder ver o futuro como deixa de poder contar com as "remessas" de outrora. Uma saída em massa para o estrangeiro apenas iria beneficiar os países de acolhimento, que para além de ganharem esse contributo dos nossos melhores para o seu desenvolvimento, iriam ainda embolsar a receita fiscal daí decorrente.
De resto, para que país voltaria o jovem emigrante, agora que os direitos e regalias, que serviram justamente para fazer regressar os que anteriormente partiram, são diariamente destruídos? Para que passado sem o seu futuro regressaria o jovem emigrante que partisse?
Portugal, diz-se, é um país que precisa de se modernizar, melhorar métodos de trabalho, aumentar a produtividade. Um país para construir quase de raiz, um país que necessita de mudança como de pão para a boca. Ora, a receita do primeiro ministro e desta maldita corrente neoliberal, que papagueia (e mal!) a receita "europeia" e domina a política portuguesa, para mudar o país é simples: em vez de criar as condições de mudança, vamos sugerir o êxodo dos que podem, pela horizonte temporal de que dispõem, pela mentalidade, pela formação e pela energia, operar essa mudança. A receita é: vamos ceder, de borla!, aos outros o nosso futuro. E, pelo caminho, vamos deixar condenar implicitamente todos os que restarem —as vítimas da falta de oportunidades, da idade ou da desqualificação— a uma lenta agonia até ao estertor final.

É isto que resultará das políticas do governo Passos Coelho se não forem firmemente travadas. Pensem nisto os que tencionam emigrar e pensem nisto os que, caso o êxodo venha a ter lugar, serão condenados a ficar. Vejam entretanto, uns e outros, quem beneficia de tudo isto...

3 comentários:

Rui Mota disse...

"Talvez nem tudo seja, contudo, estupidez inocente".
Não devemos partir do princípio que os membros do governo são estúpidos, ainda que o Gaspar tenha cara de tótó. A direita há muito que desejava a entrada do FMI em Portugal, única forma de poder aplicar as medidas liberais que sempre preconizou: aqui e noutros países da Europa. Já tinha conseguido na Irlanda e na Grécia, conseguiram-no agora em Portugal. Outros países se seguirão...
Onde há resistência (Papandreou e Berlusconi) substituiem-se os governos democraticamente eleitos por técnicos "independentes". Não por acaso, Papademos e Monti trabalharam no Goldman & Sachs e Gaspar no BCE. Estamos a assistir à implementação de um modelo económico, que já foi testado noutros países (Chile) e que mais não é do que a aplicação das teses monetaristas da Escola de Chicago (Milton Freedman).
Gaspar, um admirador confesso do guru americano, tem um modelo na cabeça e quer testá-lo. Para isso, é preciso destruir os últimos entraves (direitos laborais e estado social) primeiro. A Naomi Klein escreveu um livro e fez um filme sobre isto: chama-se "The Schock Doctrine" (2009). Aconselho o seu visionamento. É preciso destruir tudo, para fazer tudo de novo: uma espécie de "homem novo" ao contrário, mas sem tocar no capital financeiro e reprimindo os trabalhadores. Como a terapia é de choque e as pessoas ficam amedrontadas, têm mais tendência a aceitar o mal, pois têm medo de ficarem pior do que estão. Há quem lhe chame fascismo tecnocrático, ou novo fascismo...
Porque a situação na Europa está a piorar (mesmo nos países mais ricos) não é de crer que a "crise" passe depressa (ler o artigo de Nouriel Roubini na coluna do lado).
Resta saber se, perante a catástrofe que se avizinha, os cidadãos vão continuar passivos. Essa é a maior incógnita neste momento.

Ap disse...

O Rangel, numa tentativa aparente de meter água na fervura, vem dizer que se deve criar uma agência para a emigração. Para controlar o estrago diz ele...
Valha-nos Deus!!

Carlos A. Augusto disse...

O Rangel, apesar de tudo, tentou (embora de uma forma totalmente inábil e demonstrando ainda melhor a imbecilidade da "ideia" do PM) emendar a mão. Não há empregos para professores no estrangeiro. Mesmo que houvesse tudo isso para ser sério deveria ser apoiado numa acção prévia do governo.
Esta sugestão de criar uma "agência" serve apenas para corrigir o óbvio: uma declaração como a que o PM fez devia estar apoiada numa medida concreta que a sustentasse. Dito assim tudo isto não passa de (mais) uma provocação aos portugueses.