2012/05/28

Na rota do Zeca

Entre as inúmeras celebrações que decorrem em 2012 para assinalar os 25 anos da morte de José Afonso, uma deve ser destacada pela originalidade e qualidade dos seus intérpretes. Refiro-me ao concerto "De ouvido e coração", um projecto do compositor e pianista Amilcar Vasques Dias, anunciado para ser apresentado este fim-de-semana em Évora. Lá fomos, na esperança de ouvir os músicos e cantora principais, Vasques Dias (piano), Luís Cunha (violino) e Esther Merino ("cantaora") que, habitualmente, fazem parte do programa. Desta vez, havia convidados: a cantora lírica Natasa Sibalic (Sérvia) e o "cantador" local Joaquim Soares, que participavam pela primeira vez no concerto. Depois, o lugar, o magnífico Mosteiro dos Remédios, onde está sediada a Associação Musical "Ebora Mvsica" que, desde 1987, vem organizando e apresentando programas de formação musical na área dos grandes mestres polifonistas da Sé de Évora. A Associação dá ainda formação na área de instrumentos de cordas, sopros e teclas, organiza oficinas de Canto Gregoriano e ciclos de concertos nos Claustros e na Igreja, onde "De ouvido e coração" estava incluído. Desde o primeiro tema, "Vejam bem", a assistência, que enchia por completo a Igreja dos Remédios, percebeu estar em presença de um concerto especial. Esse sentimento aumentaria nos temas seguintes, com "Coro da Primavera", "Ó que janela tão alta" e "A Mulher da Erva", para culminar no celebrado "Venham mais Cinco". Seria com a primeira interpretação de Esther Merino, em "Nana del Caballo Grande", um tema de Garcia Llorca a anteceder a "Canção de Embalar" de José Afonso, que os presentes explodiram num aplauso intenso. A partir daí, o concerto estava ganho e a genialidade da música de Afonso, ganhava outra dimensão. Temas como "Menino de Oiro" e "Balada de Outono", interpretados respectivamente pelo cantador alentejano Joaquim Soares e pela cantora lírica Natasa Sibalic, comprovaram a excelência do reportório afonsino. Quando Esther voltou para interpretar "Cantar Alentejano" (Catarina Eufémia) a canção mais dramática de toda a sessão, muitos dos presentes choravam lágrimas de emoção. O concerto terminou formalmente ali, mas os seus ecos permanecerão no Convento por muito tempo. Hoje, no regresso a casa, não pude deixar de pensar no Zeca e de como ele gostaria de ter ouvido a sua música neste lugar.

2 comentários:

Raul Henriques disse...

Bem sei que não é preciso muito para tal, mas posso dizer-te que o teu escrito me emocionou. Fez-me lembrar outra altura em que, poucos dias depois do 25 de Abril, ouvi pela rádio (então ouvia-se rádio) durante a transmissão de um dos primeiros «cantos livres», o próprio Zeca a cantar «A morte saiu à rua» e tive a certeza de que o regime autoritário tinha acabado.

Rui Mota disse...

Pois é, Raul, o Zeca tinha (tem) esse dom de nos convocar para coisas importantes que permanecem belas. Ou, como diria o outro: o conteúdo está sempre ligado à forma.