2012/06/28

Estado de guerra

Distraida com euros, relvas e outras matérias de enorme actualidade, a maioria dos portugueses não se terá apercebido de uma notícia que já há tempos vem sendo referida pela imprensa: o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos está a organizar cursos de defesa pessoal para os seus membros.  Muitos contribuintes sentem-se injustiçados pela actuaçãao do fisco e, vai daí, decidem, em "cúmulo jurídico", fazer justiça pelas suas próprias mãos. Transformam assim os funcionários das Finanças, em ferramenta do seu "recurso", recebendo-os com violência quando estes tentam efectuar acções de penhora ou outras.
Não há duas leituras para este caso. Ou isto é o que muitos trabalhadores vêm reclamando dos sindicatos e do movimento sindical em geral, i.e., uma atitude mais musculada, ou estamos perante um fenómeno sinistro, que não nos pode deixar de causar enorme perplexidade. A mim, que talvez tenha cometido o crime de acreditar que havíamos há muito pousado a moca e saído do ambiente primitivo das cavernas, causa.
Não está aqui naturalmente em causa a regra do cumprimento dos deveres fiscais, nem tão pouco estou a defender o recurso à violência, por parte dos faltosos, para dirimir conflitos fiscais ou outros. O que está em causa, isso sim, é a magnitude do fenómeno no momento actual, a ponto de suscitar uma acção como esta do STI. O que está igualmente em causa é a "sociologia" destes conflitos. A maioria dos envolvidos neste tipo de situação não é, como afirma o próprio Sindicato, do tipo prevaricador fiscal contumaz, mas gente cumpridora que nesta altura tem sérias dificuldades para conseguir alimentar o triturador de défices. O que está certamente em causa é que o Estado, para, ele próprio, dirimir estes conflitos, deixe instalar (certamente também com a benção das hierarquias) um clima de quase guerra civil com os contribuintes, com os agentes e guardiões da Lei a assumir como boa a lei de Talião, explicita e institucionalmente.
Justiça e Fiscalidade à portuguesa tingem-se com as cores do kung fu...
Sabemos dos códigos que à ofensa corporal, tentada ou explicitamente perpetrada, é lícito responder com acto de defesa de igual grandeza. Sabemos também que é crime público o exercício da violência sobre agentes do Estado. É o próprio Estado que atacam quando atacam os seus agentes. Já custa, contudo, engolir que o Estado se comporte com os seus cidadãos, com aqueles cujos interesses é suposto defender e tratar com justiça e equidade, como se de vulgares criminosos se tratasse, em atitude de puro saque apenas destinado a garantir o seu voraz e aparentemente insaciável apetite.
Os trabalhadores do Fisco, ao escolherem, solidária e institucionalemente, a via do fitness, também se sujeitam a que a um uke alguém responda com um mais eficaz shotei e a diligência acabe com sanbon para o contribuinte...
Não admira, pois, com tudo isto que os cidadãos recebam os agentes do Fisco como flibusteiros. Eles estranham certamente que o Estado e as instituições democráticas que fiscalizam o seu funcionamento tenham deixado chegar as coisas a este ponto, com a total impunidade dos seus autores, mas com uma intransigência raivosa para as suas vítimas, e, no seu espírito, a resposta à via de violência escolhida para resolver esta situação não passa de um acto de auto defesa.
Algo vai desgraçadamente errado hoje no nosso País quando vemos o Estado e os seus agentes a, para fazer cumprir as suas próprias leis, comportarem-se como um qualquer bando de mafiosos a fazer a colecta da "taxa de protecção" lá no bairro...

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