2012/07/31

Nuno Teotónio Pereira, o nosso Mandela

Há já muito tempo que, por vários motivos, não compro jornais. Estando o Público indisponível na Internet sem ser a pagantes, só o leio quando me cruzo com um exemplar, no barbeiro ou em cafés, normalmente com uns dias de atraso.
Para dele tomar conhecimento, foi portanto necessário que uma mão amiga, a de Jorge Abegão, me fizesse chegar o artigo, publicado no Público de dia 29, a propósito da atribuição pela Igreja Católica do prémio Árvore daVida / P.e Manuel Antunes a Nuno Teotónio Pereira. Começa assim esse artigo de António Marujo:
«Cinco dias depois de ter deixado de ver de um dos olhos, em Maio de 2009, o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, hoje com 90 anos, acordou a sentir que a outra vista estava com sintomas semelhantes. Levantou-se, saiu de casa, no bairro de São Miguel, em Lisboa, e, como habitualmente, apanhou os transportes públicos atravessando a cidade para se dirigir ao ateliê, na Rua da Alegria. Ali, arrumou todas as suas coisas. Antes de deixar o gabinete, o arquitecto telefonou para a mulher, explicando o que se passava e dizendo que tinha de voltar ao oftalmologista. Ela pediu-lhe que apanhasse um táxi e viesse depressa. Mas Teotónio Pereira fez de novo como todos os dias: apanhou os transportes públicos. Ao entrar em casa, disse: "Despedi-me de Lisboa." À hora de jantar, perdera completamente a visão.»
Estou de acordo com o Jorge quando ele afirma que «esta história é borgeana.» Mas o que me tocou mais, até me comover, foi a apreciação sobre a foto que acompanha o artigo do Público: «é duma intensidade fulminante», refere. E descreve:
«São as mãos que avançam e falam dele como uma nova maquete desenhando um edifício onde estão presentes os três pilares, que perfilhou, "de forma equilibrada: a funcionalidade, a resistência ou solidez e a beleza". Borges, contrariando Shakespeare, na Cegueira, disse: "o mundo do cego não é a noite que as pessoas supõem". O mundo do Nuno, como o artigo denota, está cheio de claridade e de luz. Para muitos, como eu, enquanto jovens, quando pensávamos que o mundo justo estava ali mesmo à mão dos nossos vinte anos, Nuno foi a figura paterna, a referência ética de que necessitávamos e que resistiu ao acomodamento dos tempos.»
Bem hajam aqueles, e tão poucos são, que, como «o nosso Mandela»*, resistem ao acomodamento dos tempos!

*  Que ambos perdoem a comparação, já que ambos são incomparáveis.

2 comentários:

Rui Mota disse...

Um "senhor", o Nuno. Não o compararia ao Mandela, por razões óbvias, mas a sua importância como arquitecto e cidadão são por demais evidentes para não me identificar com a justa homenagem do Raul. É pena o seu exemplo não ter sido seguido por muitos ex-MES (que ainda pululam por aí nos gabinetes do PS a fazer fretes ao poder instituido) em completa negação das ideias defendidas por Teotónio Pereira.

Carlos A. Augusto disse...

NTP é uma figura de referência, sem dúvida, neste Portugal a necessitar de figuras de referência como, literalmemnte, de pão para a boca.