2012/08/30

O pretor

Quando me lembro das intervenções de António Borges só me ocorrem palavrões. Não é nada de pessoal, claro, é tudo uma questão política. Nem conheço o cavalheiro. Será certamente produto da nossa melhor sociedade. Mas, considero que tudo o que se lhe chamar peca por defeito.
Eu não o conheço, nem ele a mim. Mas eu tenho (nós temos) de o gramar. Porquê?
Borges é uma espécie de pretor romano, mas ao contrário. Um pretor peregrino, daqueles que corre o império a impôr a ordem. Mas, em vez de subordinado ao cônsul, parece que o cônsul lhe está subordinado a ele. Aliás, pelos vistos, todos os cônsules parecem estar-lhe subordinados, já que não há limite para a amplitude da sua intervenção.
Borges corrige, decreta, sugere, anuncia, preconiza; não há dia que não apareça, não há ocasião que não aproveite para falar. Houve aquela dos salários, lembram-se? Caiu logo mal. Na verdade, o se pode esperar de uma criatura que aufere centenas de milhar de euros por mês e preconiza cortes nos salários dos outros?! Aqui há dias foi o célebre episódio da RTP. Hoje decretou que o programa da troika está a correr bem. Momentos antes o presidente da CIP tinha dito que estava a correr mal e que tinha de ser revisto. Borges acha que não, "está a correr bem, diga-se o que se disser:" Mais tarde veio assegurar que a retoma há-de vir, não se sabe é quando. Corrigiu o entusiasmo juvenil de Coelho no Pontal. Para ele, a retoma pode vir em 2012, 2013 ou 2014, nunca se sabe... O tempo, como sabemos depois de Einstein, é relativo.
Há um imenso rol de interrogações que a actuação de Borges suscita. Uma postura institucional e uma abrangência de actuação que não jogam com o cargo que desempenha. Um discurso que não casa com o "gancho" que arranjou.
Borges invoca a legitimidade democrática do governo para levar a cabo o seu programa de genocídio dos portugueses e venda a retalho do país. Não lhe ocorre referir que o programa eleitoral, com o qual o PSD se submeteu ao veredito do eleitorado, não coincide, nem sequer vagamente, com estes propósitos. Diz que a população "quer" esta mudança! Quer? E diz que há "interesses" que se levantam contra a acção do governo, que há gritaria (o PM chama-lhe histerismo). Há sempre interesses, há sempre contestação. Que interesses? Quem grita? Quem contesta? A CIP? A CGTP? Fala em legitimidade democrática, esta criatura que interfere na vida política portuguesa sem ter sido legitimado por ninguém.
Fala em verdade. Mas, a verdade é que ninguém sabe o que faz António Borges, dando ordens à porta da nossa casa; a verdade é que por mais que se procure a justificação para fazer o que faz, ou dizer sequer o que diz, não se encontra.
Pergunta um cidadão angustiado e desconhecedor dos bastidores da política, mas que exige transparência onde existem legítimas e fundadas suspeitas de que ela falta: quem raio é este cavalheiro e que interesses defende? Quem manda nele e em quem é que ele manda?

6 comentários:

Rui Mota disse...

Quem manda nele, todos sabemos: a Goldman & Sachs, a Nova Ordem Mundial, que faz e desfaz governos em todo o Mundo. Em quem é que ele quer mandar? Bem, isso depende de nós, não é?

Fernando disse...

A mim, custou-me entender a política actual, até tomar conciência que antes nós elegiamos os políticos como nossos interlocutores junto do poder financeiro; que mais modernamente nos compete eleger os políticos que queremos (?) que representem o poder financeiro junto de nós; o senhor em questão é já da terceira fase: a de que já é o próprio poder financeiro que designa os seus interlocutores junto de nós! É talvez mais chocante mas provavelmente mais honesto porque mais verdadeiro. É neste contexto que Passos se torna portanto mais descartável...
Compete-nos então reencarrila tudo como pensamos que deva ser.

Carlos A. Augusto disse...

O Brecht falava de um regime em que o governo pudesse demitir o povo. Estamos portanto a entrar nessa fase avançada da democracia...

Paulo Jorge Ferreira disse...

Embora concorde em última análise com o que Rui Mota disse (que depende de nós definir em quem é que o cavalheiro Borges quer mandar), estamos muito de longe de poder exercer esse poder. O polvo (que é este mundo subterrâneo da finança) é muito poderoso, extremamente bem montado, com demasiados tentáculos e, muito importante, não tem pátria (eliminando desta forma e liminarmente uma das forças motivacionais mais poderosas que lhe poderiam fazer frente).
E a rédea está muito curta. Estamos muito bem controlados com doses soberbamente ministradas de um produto moderno vagamente parecido com um supositório e que tem um efeito equivalente ao que o pão e circo tinha no tempo dos romanos. Só que muito mais eficiente e facilmente ministrável: é que este polvo, além de extremamente inteligente, segrega uma substância viscosa, no mínimo milagrosa (que tem o efeito equivalente ao da vaselina mas com ANALgésico), que faz com que a população não sofra muito com o tratamento e se mantenha submissa - desconfortável mas submissa (afinal o povo é sereno, certo?).

É assim que aceitamos tudo o que nos impõem: desde governantes (nacionais e internacionais) invertebrados, inexistência de políticas de fundo a favor dos povos, cortes na dignidade humana, cortes de ordenados sem um mínimo de lógica de justiça, aumento de impostos, de combustíveis, privatizações inacreditáveis, acumulação de fortunas incríveis, criação de monopólios. Até compra de submarinos…
Aceitamos os 23% de desempregados porque, ao fim e ao cabo, isso significa que os outros 77% vão tendo trabalhito (levam com a tal substancia viscosa e os consequentes toques rectais mas… lá se vão safando).

E portanto, a situação está sob controlo. O mais que pode acontecer é, graças à democracia, o povo castigar exemplarmente o partido que está agora no poder e dar uma expressiva maioria ao… outro partido que é igual. Fantástico!! Não temos futuro!!

Nas presentes condições, não iremos conseguir dar a volta a isto. O "inimigo" é difícil de materializar. Não há um Salazar que corporize o inimigo e que faça trazer chaimites para a rua, ou um Adolfo Hitler que mobilize a humanidade para o abater. O polvo tem isto bem controlado. É verdade, estou desanimado (chego a pensar que o tal supositório contem uma componente química indutora da depressão…).

Carlos A. Augusto disse...

A propósito, republico aqui o link de um texto que explica de forma simples quem é o inimigo e como actua... http://www.precariosinflexiveis.org/2012/08/o-texto-que-esta-incendiar-espanha.html

Whisky Osoda disse...

(Para o comentário do PJF): PRIME MINISTER!