2012/09/16

Point of no return?

Foi bonita a festa (pá), ouvia-se dizer ontem na praça de Espanha.
Foi, mas não chega.
Da mesma forma que a democracia não se esgota na representatividade parlamentar, também a democracia participativa não se esgota em manifestações, por muita gente e palavras de ordem que estas tenham.
Sim, é preciso correr com estes vendilhões do templo, que não olham a meios para atingir os seus fins, ainda que no fim só venham a restar zombies incapazes de resistir seja ao que for.  Para correr com eles (porque são muitos e usam diversas máscaras) todos os meios legais  são lícitos, pois os últimos 38 anos mostraram que não aprendemos nada. A prova é que continuamos a votar nos partidos que, alternadamente, vão espoliando o pais e empobrecendo a população, enquanto defendem os interesses (nacionais e estrangeiros) daqueles que sempre viveram à custa do estado e da exploração sistemática de quem trabalha e quem desconta para os sustentar.
A manifestação de ontem, como aquela que reuniu centenas de milhares de manifestantes no dia 12 de Março de 2011, foi boa (muito boa), na medida em que as pessoas ousaram descer á rua e dizer “basta!”. Podem não saber o que querem, mas começam a saber o que não querem. É um princípio. Por algum lado temos de começar.
Mas, não devemos ter ilusões. Não é por gritar “que se lixe a troika!” que esta se vai embora. Veja-se a Grécia, onde a população desce às ruas todas as semanas sem que as medidas de austeridade diminuam. Qual é o limite? Das medidas e da resistência. Estas são as questões.
Cavaco Silva já percebeu a mensagem e, impedido como está de se pronunciar devido à imagem negativa que o persegue, mandou Manuela Ferreira Leite avisar o governo. Esta, que nunca escondeu o desprezo pelo jovem Passos, encarregou-se na perfeição da mensagem, Fê-lo tão bem que conseguiu unir toda a gente (da esquerda à direita) contra o jovem turco. E o resultado está à vista: 40 cidades portuguesas vieram à rua manifestar-se contra este governo. É obra!
Segue-se o segundo acto. Perante o descrédito do regime, Cavaco convocou o “Conselho de Estado”. Basta olhar para a sua constituição (ex-presidentes na reforma, comentadores de televisão, economistas da moda e neurocirurgiões da ribalta) para não ter ilusões. Para dar um ar de democracia (e fazer o contraditório) convidou o Gaspar.
A estratégia é clara: é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.
Até é possível que perante a derrocada da receita da Troika, o governo tenda a inflectir de estratégia. Talvez até saia o Relvas, ou mesmo o Gaspar...
Mas, será que mudará alguma coisa na forma como os peões internos da Troika vão abordar a crise portuguesa, eles que apenas estão interessados em que paguemos aos credores e em desregular o mercado de trabalho interno para dessa forma nos tornar mais submissos? Não. Não vai mudar nada de essencial. É por isso que a manifestação de ontem não nos deve iludir.
A manifestação foi um acto de cidadania e, nesse sentido, um ponto de não-retorno. Nada será como dantes, a partir de agora. Mas, os representantes do “centrão” continuarão lá e a defender os seus interesses. Ora os seus interesses, não são necessariamente os nossos. E é nesta dialéctica de contradições que nos devemos fixar, com o risco de nos fixarmos demasiado na árvore e perdermos a floresta de vista.

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