Lisboa, quatro e meia da tarde. À saída da estação do Rossio cruzo-me com uma mulher de idade, bem vestida, que me interpela. “Se eu disponho de um momento?”, pergunta-me... Respondo-lhe afirmativamente e ela, puxando-me para o lado, mostra-me um saco de plástico com duas ou três camisas: “Se eu quero comprar uma?”... Não sei que responder e digo-lhe que não necessito de camisas. Puxa-me pelo braço e desfaz-se em lágrimas. Não tem dinheiro, tem uma pequena reforma e o marido está num lar que ela tem de pagar. Não sabe como há-de sobreviver e tem de pagar todas as despesas. Insiste que eu lhe compre a camisa. Após segunda recusa, confessa que nunca pensou ter de fazer tal coisa e está desesperada. “Onde é que vamos parar? O que é que nos está a acontecer?”
Tento consolá-la e digo algumas palavras de circunstância, sem estar muito certo do que se estava a passar. Estabelece-se um curto dialogo. Enquanto falamos, noto-lhe o desespero estampado na cara. Chora convulsivamente. Consigo acalmá-la e ela, já mais conformada, tenta vender-me a camisa pela última vez. Há dignidade na sua pobreza e sinto-me culpado de algo para que não contribui. Despedimo-nos e ela agradece-me, desejando-me boa sorte. À distancia, olho uma última vez para trás e vejo-a entrar na estação à procura de alguém a quem consiga vender a peça de roupa. Provavelmente do seu marido, que não a pode usar...
Não posso deixar de pensar na profecia Maya. O Mundo não acabou ontem, é verdade, mas, para demasiados portugueses, o mundo a que estavam habituados deixou de existir.
A avaliar pelas previsões mais optimistas, tudo será pior em 2013.
Recentemente, o líder do partido grego Syriza, a propósito da situação de intervenção a que estão sujeitos os dois países, dizia que “o Portugal de amanhã, será a Grécia de hoje”. Referia-se à situação de extrema pobreza para a qual foram atirados milhares de gregos nos últimos anos. Uma miséria extrema, que atingiu a classe média, hoje obrigada a procurar comida nos contendores de lixo em Atenas. A degradação humana, na Europa que construiu o estado social.
Algo de terrível nos está a acontecer e a paralisia é má conselheira. Quando se perde a dignidade, não há camisa que cubra a nossa vergonha. É essa a maior miséria.
1 comentário:
Já apanhei casos destes também. Devo dizer também que não são de hoje. Agravaram-se brutalmente em tempos mais recentes, é certo, mas não são de hoje.
Há de facto um mundo de faz-de-conta que acabou. E há, ao mesmo tempo, um retrocesso real, explicável mas inaceitável, aos tempos da barbárie fascista. Uma lição. Espero que quem a tenha de aprender e quem a tenha de ensinar o faça. E espero, sobretudo, que rolem cabeças porque é preciso que rolem cabeças. Adiante!
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