Bem sei, o medo combate-se. Mas o combate é muito difícil quando, como anedoticamente ilustrado neste vídeo, o opositor tem a faca e o queijo na mão. Então só pensas em sobreviver, na esperança de que a situação seja transitória, e engoles todos os sapos possíveis: aceitas um ordenado de merda, trabalhas as horas e os dias que o patrão mandar, obedeces a ordens absurdas sem ripostar, aturas as maiores faltas de respeito. Em breve usarás métodos de que não te sabias capaz porque és obrigado a competir com os teus colegas de trabalho e porque eles também os usam, justificas-te perante o grilo da tua consciência. Além disso, apesar de o emprego ser merdoso, sabes que estão lá fora a formar o salto mais uma data de outros desesperados. Isto não é ficção.
Escrevi que o medo segue dentro de momentos. De facto, depois do 25 de Abril, não foi preciso esperar muito para o medo regressar aos nossos corações. Ou melhor, nunca de lá saiu. Num ensaio que para mim funciona como referência, Portugal, Hoje – O Medo de Existir, o filósofo José Gi l defende que mantemos em nós um atavismo que nos leva à “não inscrição”; somos nós quem não se consegue inscrever num clube que nos aceita como sócios. Mais depressa acreditamos que um dia um qualquer D. Sebastião sairá da neblina para nos vir resolver os problemas. Porque temos inscrito nos nossos seres esse medo, mesmo os jovens que nunca tiveram a experiência de viver sob um regime repressivo. Porque estas coisas passam de geração em geração, sem que os próprios por vezes tenham consciência disso.
3 comentários:
Um video que não deixa ninguém indiferente. A brincar, a brincar...
O problema é que, a "não-inscripção", já vem de tão longe que nem o próprio Gil consegue determinar a sua origem. Autores há, que dizem ter a ver com a crise actual, outros que é uma herança do Fascismo e, outros ainda, que é uma herança da Inquisição. O Oliveira Martins dizia que era de Alcácer-Quibir...Tudo somado, qualquer coisa como 400 anos. É obra. Como diria o Zeca (Afonso), com o sarcasmo que o caracterizava, "isto é genético, pá!".
Pessoalmente, não penso que seja genético, mas acredito ter muito a ver com a falta de instrução e educação cívica (cidadania), pobreza estrutural (dependência económica) e corrupção generalizada, numa sociedade onde os mecanismos de "prestação de contas"(accountability)não fazem parte da cultura dominante. Junte-se a isto uma justiça ineficaz que, ou não funciona ou defende os mais poderosos, para perceber melhor o quadro. Claro que, a actual crise, veio agravar este problema cultural crónico, pois as pessoas ficaram mais fragilizadas e têm medo de agir. É natural. Quanto maior for a emigração e menor for a massa crítica no país, mais à vontade estará este governo tecnocrata para governar e impôr as regras que quiser. Nem necessita de medidas muito autoritárias. Por alguma razão, a extrema-direita (vulgo fascismo) não tem representação em Portugal. A memória da ditadura ainda é recente e o povo é "manso". Se a contestação social aumentar a repressão aparecerá. Ao contrário, é nos países do Norte da Europa (os nossos credores), que a extrema-direita está a crescer. Mau sinal. Se as relações de força não mudarem na Europa, dificilmente a situação mudará em Portugal. Até porque, o partido que se segue (PS), deseja (implicitamente) uma aliança com o PSD: o famigerado "bloco central" (de interesses). De uma forma, ou de outra, o "sistema" vai manter-se.
Concordo em que o sistema se vai manter, como bem afirma o Rui. A consequência é que a crise, como muitos têm vindo a alertar, nomeadamente o muito honesto e competente João Ferreira do Amaral, também se vai manter, pois se não houver alterações estruturais o país não tem meios para pagar o que deve. Isto traduz-se, em termos da vida das pessoas, em continuação da perda do poder de compra, continuação do desemprego, etc. Pode haver uns indícios de recuperação, mas estruturalmente tudo vai permanecer na mesma: a crise vei voltar. E com ela o medo...
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