2018/06/27

Na rota do Flamenco (2)

A pouco mais de 30km de Sevilha, na estrada que liga a capital andaluz a Cádiz, encontram-se três das mais emblemáticas localidades flamencas, naquele que é considerado o triângulo dourado do "cante": Utrera, Lebrija e Las Cabezas. Uma região plana, de grande latifúndio, onde a criação de touros e o cultivo do tomate, constituem as principais actividades da população, considerada uma das mais pobres da região.

Para lá nos dirigimos, na acalentada esperança de um dia compensador, sabendo de antemão que a hora do dia não seria propícia a grandes revelações. Já passava do meio-dia e, quando o sol cai a pique, é melhor procurar outras paragens, como o castelo local, a magnífica Casa da Cultura (onde tivemos direito a uma visita guiada) e ao "Hospitalito", situado no antigo edifício do Convento de las Carmelitas, hoje transformado num museu famoso, onde pudemos admirar o pátio decorado com motivos "mudéjares" e largos espaços onde, em tempos, funcionaram as enfermarias.

irmãs Bernarda e Fernanda
Em Utrera, terra de nascimento das míticas irmãs Bernarda e Fernanda, as mais famosas filhas da terra, realiza-se o "Potaje Gitano", o mais antigo festival de Flamenco do Mundo (1957) que tem lugar no último fim-de-semana de Junho. O programa deste ano era de fazer crescer "água na boca", ainda que as temperaturas já ultrapassem largamente os 30 graus positivos, algo comum nesta altura do ano. Lá estarão, a partir de amanhã, El Pele, La Mañanita, Rancapino Chico, Tomás de Perrate, Inés Bacán, Tomasito, Perico El Pañero, El Galli y El Chimenea, acompanhados por Pedro Maria Peña e Antonio Higuero (toque) e Pepe Torres, Farru e María Marrufo (baile). A sessão de abertura estará a cargo de Enrique El Extremeño e haverá um debate dedicado a Enrique Montoya, nos 25 anos da sua morte. Um programa 100% cigano, como é aliás timbre do festival.

Antonio Mairena
Entre "tapas" e "cañas", tempo para deambular pelo bem conservado casco histórico da vila, à procura da "última experiência". Para o fim, estava-nos reservado o melhor. Quis o destino termos ido parar à Pérez Galdós, uma "calle" como as outras, onde, no número 11, está situada a Peña Cultural Flamenca "Curro de Utrera". Para quem não sabe, uma das mais famosas da região e lugar de culto por onde passaram todos os grandes nomes do "cante" flamenco. Um largo espaço, decorado com motivos flamencos, repleto de mesas e com um palco ao fundo, onde têm lugar as actuações e concursos, avaliados por júris que elegem os melhores em cada categoria. Nas paredes, cobertas por fotografias autografadas, lá estava Antonio Mairena (1º "chave de ouro" do "cante"), as irmãs Utrera, Paco de Lucia, Camarón, Carmen Linares ou Mayte Martín, entre dezenas de muitos outros. Os mentores da "peña", ainda que ocupados nos preparativos para a sessão daquela noite, não quiseram deixar os seus créditos por mãos alheias e disponibilizaram-nos toda a informação solicitada, tendo-nos inclusive convidado a regressar este mês, quando o "Potaje" estiver no auge.

No regresso ao centro, passagem pela Plaza de Altozano, lugar de confluência da população local que, ao fim da tarde, enche as esplanadas e confraterniza ao redor de "cañas" e de "mostachones", o doce local vendido em todas as pastelarias. Por coincidência, ou talvez não, realizava-se a Feira do Livro anual. Não resistimos e adquirimos "La Música Preflamenca", um estudo de José Miguel Hernández Jaramillo, editado pela Junta de Andaluzia, por ocasião da Bienal de Flamenco 2002. O dia estava ganho.
(continua)

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