2018/09/18

Sevilha: Bienal de Flamenco


Está de volta a Bienal de Flamenco, a mais importante celebração musical do género, com lugar marcado na cidade de Sevilha, em anos pares, desde 1980.
Na sua 20ª edição, a decorrer entre 6 e 30 deste mês, lugar para as diversas formas da "arte" (cante, toque e baile) que inclui o flamenco mais clássico (cante "jondo"), o flamenco menos tradicional (cante "chico") e o flamenco moderno, nas suas diversas formas de fusão.
Não fora a distância e o preço dos espectáculos pagos (pormenor não despiciente) e estaríamos lá todos os dias. Acresce que, para além do programa oficial, a autarquia oferece diariamente pequenas actuações de canto e dança, nos lugares menos previsíveis, como praças, jardins, pátios, clubes e peñas flamencas. Uma oportunidade para assistir à abertura, este ano junto à ponte de Triana, com um "flashmob" ensaiado por dezenas de aficionados, que dançaram ao som de uma "buleria" transmitida pela aparelhagem sonora do evento. Seguiu-se o "pregón" (pregão), um encadeado de pregões tradicionais, um "palo" em si mesmo nas palavras de Tomás de Perrate, cantados à capella por este histórico do "cante", que contribuiu para o primeiro momento de magia da noite. O ponto alto da abertura, viria a seguir, com o desfile "no sin mi bata", uma coreografia da "bailaora" La Choni, que, depois da atravessar a ponte de Triana, terminaria no bairro do mesmo nome, com uma "buleria" contagiante. Um fartote, que envolveu grande parte dos locais e de turistas, que se deslocam expressamente de outros pontos de Espanha e do estrangeiro, para assistirem a este momento único de celebração.

Com tanta coisa boa para ver, a escolha era difícil e nem sempre possível dado que alguns dos espectáculos esgotam com meses de antecedência. Foi o caso de Carmen Linares, a maior voz feminina do flamenco actual, que apresentava, em estreia, o concerto "Romances: entre Oriente y Occidente", um projecto em colaboração com Ghadis Benali Y Ensemble, onde se misturam influências musicais do Al Andalus.
Porque as alternativas eram muitas, o critério seguido foi o de ver nomes conhecidos, que nunca tivéssemos presenciado ao vivo. Neste lote, estava o bailarino e coreógrafo Israel Galván, hoje um dos nomes maiores da dança flamenca, presente na Bienal com dois espectáculos, dos quais o mais importante (Arena) teve lugar na histórica praça de touros "La Maestranza". Trata-se de uma adaptação do espectáculo com o mesmo nome, estreado em 2004, que contava com a participação de Enrique Morente. A nova versão, adaptada ao recinto e encomendada pela Bienal, segue o roteiro original (6 quadros, correspondentes a outras tantas "lides") em que Galván incarna o touro e o toureiro alternadamente, num espectáculo de rara beleza plástica, no qual, o dramatismo expresso na arena, é magnificamente sublinhado pelo canto de Kiki Morente (filho de Enrique) e pelos restantes intérpretes: desde logo, Galván, um génio, que não desdenha inovar  com a ousadia que só os criadores de excepção podem permitir-se, mas também os restantes "bailaores" e a "brassband", sempre presente na arena, para além de El Niño de Elche, um transgressor do flamenco que, para além de cantar, recita poemas clássicos espanhóis, adaptados aos dias de hoje. Brutal, El Niño! Uma última palavra, para o som e luz, de recorte magnífico, em condições verdadeiramente adversas (uma praça de touros descomunal) em que nunca nos sentimos deslocados, pese a nossa aversão a touradas.
O terceiro espectáculo, desta primeira série, teve lugar no Hotel Triana, um "corral de vecinos" em forma de "U", onde decorrem vários espectáculos da Bienal, que podem ser presenciados pelos moradores a partir das suas próprias casas. Ambiente efervescente e praticamente esgotado, com direito a serviço de bar, numa organização impecável. Pormenor curioso: a exemplo da sessão na "Maestranza", a sessão iniciou-se com as habituais recomendações sobre o uso e proibição de gravação e fotografias em espanhol, inglês e...japonês! A razão é simples: o Flamenco é uma "rage" no Japão e anualmente milhares de potenciais "bailaoras", passam meses em Sevilha, para aprenderem os segredos da dança. Lá estavam elas, todas vestidas a rigor, de trajes "lunares" e mantilhas locais.

O programa, intitulado "Lebrija, Luna Nueva", era promissor e não defraudou as expectativas: Inês Bacán (uma histórica do "cante") acompanhada do irmão Juan Bacán e respectivas famílias ciganas, na melhor tradição de Lebrija, lugar-cadinho do Flamenco, a meio caminho entre Utrera e Jerez. Onze pessoas em palco (três "tocadores", quatro "cantaores", dois "bailaores" e dois "palmeros") que incendiaram o recinto, na curta hora e meia que durou a actuação. Entre "soléas", "seguirias", "bulerias" e duetos, cantados por Miguel Hijo Fino (um timbre contagiante) e Javier Heredia (cantaor e bailaor de fino recorte) o concerto teve momentos mágicos, que repassaram para a assistência, em verdadeiro êxtase. O "duende" esteve, mais uma, vez presente em Triana, o bairro onde sempre voltamos com saudades de regressar.
Para a semana há mais. Seguem-se, Tomatito, com dois convidados de luxo (Duquende e Arcángel) e El Niño de Elche, com o concerto "Antología del cante heterodoxo", baseado no álbum com o mesmo nome. Se houver bilhetes, ainda haverá tempo para Rosalía, a nova sensação do cante feminino flamenco. Lá estaremos.     
    
    
      

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