2019/11/27

Simplex 2.0


Na semana passada, descobri, por mero acaso, que três dos mais importantes documentos de identificação pessoal, tinham caducado, ou estavam em vias disso: o Cartão de Cidadão, que veio substituir, em 2009, o antigo Bilhete de Identidade; o Passaporte, renovável por períodos de 5 anos; o Cartão Europeu de Saúde, renovável a cada 3 anos e sempre útil em caso de doença ou acidente, quando se viaja dentro da União Europeia.
Porque o seguro morreu de velho, comecei pelo princípio, que é como quem diz obter informação sobre a maneira mais rápida de resolver estes assuntos. Fui à NET e consultei o "site" E-Portugal, criado há cerca de 20 anos, durante o governo de António Guterres, naquela que foi anunciada como a "entrada de Portugal na era da digitalização", vulgo "Simplex".
Data dessa época, a inauguração da 1ª Loja do Cidadão, em Lisboa, anunciada com "pompa e circunstância" pelo, então, primeiro-ministro. Resumidamente, a Loja do Cidadão (a que se seguiram outras, dentro e fora de Lisboa) alberga sob o mesmo tecto, serviços de atendimento tão diferentes como Cartão de Cidadão, Passaporte, Finanças, Impostos, Segurança Social, Cartão Europeu de Saúde, Contractos de Electricidade, Água, Gás, etc...
A primeira Loja do Cidadão, abriu no Centro Comercial das Laranjeiras e, pouco tempo depois, abriria uma segunda Loja, situada no antigo edifício do cinema Éden, nos Restauradores. Foi nesta segunda Loja, que resolvi a maior parte dos meus problemas administrativos com o estado (impostos, cartão de cidadão, passaporte, etc...), até que (vá lá saber-se porquê) a Loja dos Restauradores encerrou. Foi, mais ou menos por essa altura que passou a ser possível agendar visitas pelo telefone. De acordo com a área residencial é, agora, possível marcar uma visita, para determinada data e hora, evitando, dessa forma, as filas para obter uma senha e aguardar (horas!) até ser atendido.
Desta vez, e porque era urgente, optei pela marcação telefónica, julgando ser essa a forma mais rápida de resolver o problema. Para minha surpresa, foi-me comunicado que não havia vagas em toda a região de Lisboa, até ao dia 28 de Janeiro de 2020! Na dúvida, reservei uma visita para essa data e optei por dirigir-me a uma Loja do Cidadão de Lisboa, correndo o risco de lá chegar e não haver "senhas" para ser atendido no próprio dia.
Aconselhei-me com amigos e um simpático taxista sugeriu-me a "Loja do Cidadão", no Alto da Boavista, em Lisboa, da qual nunca tinha ouvido falar. Lá fui, na passada segunda-feira, para tratar dos documentos necessários.
A Loja está situada dentro de um Centro Comercial gigantesco, que é necessário atravessar até chegar às instalações de "design" moderno, que começam a ser semelhantes em todo o país. Tirei a senha para as Informações Gerais e esperei pela minha vez no Balcão do Cidadão. Uma vez atendido e depois de explicar o que me levava ali, a solícita empregada informou que podia pedir-lhe o Cartão Europeu de Saúde, o qual me seria enviado para casa, sem custos. Tratei desse assunto e passei a uma sala anexa, onde só tratam de Cartões de Cidadão e Passaportes. Tirei duas senhas e esperei pela minha vez. Após uma hora de espera, fui atendido no Balcão dos Passaportes. Apresentei o Passaporte, que caducava em Fevereiro e pedi a sua renovação. A funcionária ficou de imediato com o dito e, depois, de imprimir um formulário com os meus dados, mandou-me dirigir a uma das 4 máquinas disponíveis, onde teria de fazer uma fotografia tipo-passe e digitalizar as minhas impressões digitais, para além de uma assinatura, de acordo com as normas. Lá fui e para minha surpresa, depois da foto, o écran anunciava que a recolha de dados não tinha resultado (!?). Nova tentativa e a mesma resposta. Após 4 tentativas nessa máquina, a funcionária sugeriu que eu mudasse de máquina. Voltei a tentar tirar as fotos e nada. Após 3 tentativas, passei para a 3ª máquina onde, também não resultou! Perante o desespero da funcionária, alvitrei que ela chamasse um técnico. Foi quando ela confessou que aquilo estava sempre a acontecer (!?). Finalmente, tentámos a única máquina que eu não tinha experimentado e, aí, a foto resultou, mas ficou demasiado iluminada, o que provocava uma áurea sobre a minha cabeça. A funcionária não desarmou e foi buscar um chapéu de chuva, que abriu por cima de mim, para que a luz não se reflectisse na cabeça. Debalde. Tentei brincar com o assunto, alvitrando que talvez eu fosse um "vampiro" e a minha imagem não se reflectisse no espelho...Em desespero de causa, a funcionária não se atrapalhou: "não faz mal, tira-se a foto com um telemóvel!".
O quê? Com um telemóvel?
"Pois, não seria a primeira vez" e, virando-se para uma colega de balcão, "o fulana, empresta-me aí o teu telemóvel que tira melhores fotografias que o meu...". E, antes que eu pudesse reagir, encostou-me ao espaldar da máquina e tirou 4 fotos!
E agora, se não ficou bem? Perguntei eu, ainda meio aparvalhado. "Deve ficar, mas se não ficar terá de vir cá outra vez", continuou ela numa "desportiva". Deve estar a brincar comigo, disse-lhe. E o meu passaporte antigo? "Esse pertence ao estado. Fica em nossa posse". Se fica em vossa posse, tem de o destruir aqui à minha frente, pois paguei 65euros por ele. "Muito bem", disse ela e fez dois orifícios no passaporte antigo. Paguei 65euros e recebi o comprovativo. "Dentro de seis dias úteis, estará pronto, isto se não tiver de repetir as fotos, claro", foi dizendo...
Restava o Cartão de Cidadão. Mais uma hora de espera e digitalização das impressões digitais. Já não tirei fotografias, não fosse a máquina recusar-se outra vez. Paguei 18 euros e perguntei quando estaria pronto? "Não sabemos", respondeu a funcionária, sorrindo de simpatia. Perdão? Como não sabem? "A gente aqui, nunca sabe. Quem manda, são os serviços. Depende do trabalho acumulado. Pode demorar uma semana, ou mais. Nunca menos". E agora? Não tenho documentos e não sei quando os vou receber?..."Pois, também não podemos ajudá-lo". E se eu tiver de me identificar? "Mostra o recibo comprovativo do pagamento". E se for viajar, pensa que alguém reconhece um recibo de pagamento? "Pois, não sei...", continuava ela sorrindo.
Desisti. Tinha passado 3 horas na Loja do Cidadão, tratado de 3 cartões de identificação, não possuia nenhum válido e acabara de pagar 83euros. Mais "simplex" que isto, era impossível.
Uma coisa, é certa: Kafka existe e vive em Portugal...   
   

1 comentário:

cabeça disse...

Pois é! não é por nada que eu tenho na Holanda dupla nacionalidade, falto aqui, salto ali, mas até quando é que a minha dupla nerlandesa, foi uma grande brincadeira, e vai-me ser desmantelada.

Amigo Rui, vai o abraço.