2019/12/20

Sevilha: dos Cantautores ao Flamenco, passando pelo Fado


Que Sevilha pode ser um lugar de boas surpresas, não é novidade para ninguém que conheça minimamente a cidade. De volta à capital andaluza, agora em missão mais "séria", oportunidade de o comprovar, se isso fosse ainda necessário...
Tudo começou há uns meses atrás quando, em conversa informal, fomos confrontados com um convite inusado: o de apresentar, em forma de charla, uma panorâmica sobre a música popular portuguesa actual (vulgo MPP), que vem sendo feita por dezenas de compositores e intérpretes musicais, de há 50 anos a esta parte. A conversa seria integrada numa classe de alunos finalistas da Escola Superior de Artes Dramáticas (ESAD), que estudam artes performativas nas suas mais diversas vertentes (canto, teatro, mímica, dança ou música...).
Aceite o desafio, e porque o tema era vasto e daria para um "trimestre", optámos por incidir o foco da nossa intervenção na geração dos chamados "cantautores" (sing-songwriters), uma vez que a denominação, cobria os "baladeiros" ou "cantores de protesto" (anteriores a 1974) e os "cantores de intervenção" ou "canto livre", surgidos com o "25 de Abril".
Devo confessar, que poucas coisas me dão mais gozo do que seleccionar músicas e autores que fazem parte da banda sonora da minha vida. Se alguma coisa marcou a minha geração, foram as canções (datadas ou intemporais), que continuam a fazer parte da história da (nova) Música Popular Portuguesa. Restava a parte mais difícil: que músicas e autores escolher, para apresentar a uma classe heterógenea, constituida por alunos que nunca, ou raramente, teriam ouvido estas canções, ainda por cima num tempo limitado de duas horas?
Após um fim-de-semana de tentativas várias, conseguimos alinhar 25 títulos que cobrem, "grosso modo", o período compreendido entre 1956 e 1982, respectivamente o ano das primeiras "Canções Heróicas" (gravadas pelo Coro da Academia de Amadores de Música, dirigido pelo maestro e compositor Lopes Graças); e o ano da edição de dois albuns seminais da MPP (os LPs "Ser Solidário/FMI" de José Mário Branco e "Por este Rio Acima", da Fausto Bordalo Dias). O primeiro, "encerrando", de algum modo, a fase da canção mais comprometida politicamente e, o segundo, inaugurando uma fase de grande criatividade, após o período mais politizado destes mesmos cantautores. Pelo meio, nomes como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Francisco Fanhais, Manuel Freire, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Tino Flores, GAC, Fausto e Vitorino.
O tempo não deu para mais e muitos nomes ficaram de fora. Nada que tivesse impedido os presentes de manifestarem o seu apreço pela música oferecida, coisa que, de resto, é natural num país que nos deu cantautores como Paco Ibáñez, Luís Pastor, Patxi Andión, Lluís Lach ou Joan Manuel Serrat, para nomear alguns dos mais conhecidos.
Por coincidência, actuava na cidade, Teresinha Landeiro, num ciclo de fado anualmente organizado pelo Lope de Vega, o mítico teatro sevilhano. Não podíamos faltar (noblesse oblige) também porque conhecemos a jovem fadista das noites de fado amador, então organizadas no centro cultural da "Fábrica Braço de Prata", em Lisboa, já lá vão 10 anos. Tinha, Teresinha, 14 anos...
Dez anos mais tarde e dois albuns de originais depois, para além de actuações em salas prestigiadas como o CCB (Lisboa) e a Casa da Música (Porto), Teresinha confirmou todos os atributos que se adivinhavam há uma década atrás: uma fadista "puro sangue" que nada tem a provar, tal a maturidade do seu canto. Para quem estiver interessado, não deve perder as sextas à noite da "Mesa de Frades", em Alfama, onde ela actua regularmente.
Finalmente, e porque Sevilha sem Flamenco é como Roma sem Papa, tanto procurámos que fomos bafejados pela sorte. Em cartaz, nessa mesma semana, um concerto organizado na sala Cero, um pequeno teatro de bolso que, pela primeira vez, em colaboração com Madrid e Granada, organiza um ciclo dedicado a Manuel de Falla (Musica de Cámara y Flamenco).
Desta vez, o programa, ainda que sugestivo, era relativamente desconhecido para nós: Rocío Diaz (cantaora), Manolo Franco (guitarra) e Luisa Palicio (bailaora). Porque os concertos deste ciclo, são temáticos, este era dedicado à "Triana de Azulejo", uma evocação, suportada por magníficos diapositivos, das decorações típicas do famosos bairro sevilhano. Após uma curta, mas pedagógica introdução ao tema, por parte do organizador, pudemos assistir a hora e meia de excepcional qualidade e, fiel ao espírito de Falla, sem amplificação sonora. Aqui, o "cante" clássico, interpretado por Rocío, foi superiormente acompanhado pelo mestre Franco, um guitarrista de finíssimo recorte e técnica apuradíssima, a lembrar os grandes intérpretes da guitarra clássica espanhola. Uma nota final, para a bailaora (Palicio) que, pesem as poucas intervenções no concerto, mostrou uma técnica soberba, na tradição de uma arte, onde são incontáveis os génios da dança. Grande noite, a fechar uma estadia não menos memorável. 

1 comentário:

Emma disse...

Tu charla fue muy muy buena. Interesante, entrañable y emocionante. Un gran trabajo de síntesis que dio sentido al sentimiento que nos despertaban las canciones y músicas que escuchamos. Vuelvo a reiterarte las felicitaciones y las gracias de parte de los alumnos y profesores de la ESAD.