2020/01/23

Corrupção: do "Luanda Leaks" ao "Portugal links"

Na semana de todas as revelações, as notícias sobre o caso angolano (vulgo "Luanda Leaks"), sucedem-se a ritmo estonteante. 
Hoje mesmo, chegou a Lisboa o Procurador-Geral da República de Angola (Hélder Pitta Groz), para encontrar-se com a sua homóloga portuguesa, com quem abordará o "caso Isabel dos Santos" e as suas ramificações em Portugal.
O caso conta-se em meia-dúzia de linhas: Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano Eduardo dos Santos, empresária de sucesso e considerada a mulher mais rica de África, foi constituída arguida num mega-processo em Angola onde, juntamente com outras personalidades do regime, foi acusada por crimes de gestão danosa, peculato, tráfico de influências e branqueamento de capitais, enquanto administradora da Sonangol (empresa petrolífera angolana). A sua fortuna, avaliada em mais de 3.000 milhões de dólares, está hoje dispersa por vários continentes: da África à Europa, passando pela Russia e pelo Médio-Oriente, onde possui interesses económicas e património pessoal, com residências em Luanda, Lisboa, Londres, Malta, Mónaco e Dubai. Em Portugal, são conhecidas as suas participações de capital na NOS, Efacec, Sonae, Eurobic, Galp e Comunicação Social, para além de investimentos diversos em projectos imobiliários. Juntamente com a filha de Eduardo dos Santos, foram constituídos arguidos, os portugueses Mário Leite Silva (braço-direito da empresária), Sarju Raikundalia (ex-administrador financeiro da Sonangol), Paula Oliveira (amiga de Isabel dos Santos e administradora da operadora NOS) e Nuno Ribeiro da Cunha (assessor do Eurobic). Todos eles se encontram fora de Portugal, neste momento.
De acordo com o PGR angolano, a acusação partiu da denúncia do sucessor de Isabel dos Santos, à frente da petrolífera estatal angolana, Carlos Saturnino. Foram constituidos outros arguidos, nas alegadas transferências fraudulentas para o Dubai.
Nada que nos deva surpreender no país onde, durante décadas, governou a família Dos Santos, uma das mais sinistras cleptocracias do continente africano. Que a filha primogénita do (ex)presidente tivesse sido eleita para herdar a fortuna do pai, era expectável. Que a maioria do povo angolano, continue a viver em condições de miséria extrema, enquanto os seus governantes gastam o dinheiro do país nas chiques lojas de Lisboa, é vergonhoso.
E o que é que isto tem a ver com Portugal?
Acontece que, dadas as relações especiais entre os dois países, Angola sempre foi um parceiro preferencial dos governos portugueses: durante a ditadura, como colónia e, após o 25 de Abril, como país de cooperação, investimento e emprego. Foi assim durante décadas e, nos últimos anos (devido à crise social e económica que Portugal atravessou entre 2011 e 2014), aumentou de importância, passando Angola a funcionar (de novo) como país de emigração e oportunidades.
Foi nesta última década, que os investiments angolanos em Portugal aumentaram, com incidência nas telecomunicações (NOS), industria de cabelagem (Efacec), banca (Eurobic), distribuição (Sonae), petrolífera (Galp) e comunicação social (Cofina).  O empório de Isabel dos Santos cresceu exponencialmente e Lisboa passou a ser uma plataforma privilegiada para os seus negócios, com sede na Avenida da Liberdade.
Nada disto se consegue sem dar nas vistas e há muito que o jornalismo de investigação vinha alertando para esta história de sucesso. Finalmente, e após anos de investigação, o Consórcio Internacional de Jornalistas (120 jornalistas de 20 países), publicou um relatório baseado em 750.000 documentos, onde a fortuna de Isabel e as suas aplicações foram escrutinadas.
Fala-se de corrupção e, como sabemos, para haver corrupção tem de haver corruptores e corrompidos. A "lavagem" do dinheiro angolano em Portugal, só podia ter sido feita com a cumplicidade de parceiros portugueses (políticos, banca, empresários, escritórios de advogados, etc.). É aqui que a PGR portuguesa poderá ter um papel, já que o processo angolano a Angola diz respeito.
Nem de propósito, saiu hoje o relatório anual da "Transparency International" o organismo da ONU que analisa a percepção da corrupção a nível internacional.
São 180, os países escrutinados. No topo da lista (leia-se, "menos corruptos") estão a Dinamarca, a Finlândia, a Suécia, a Noruega, para além da Nova Zelândia, Suiça, Singapura, Países-Baixos, Luxemburgo e Alemanha. Como é habitual, de resto. Já no fim da lista, estão os "mais corruptos", a Guiné-Bissau, a Coreia do Norte, a Venezuela, a Guiné Equatorial, o Sudão, o Afeganistão, o Iémen, a Síria, o Sudão e a Somália (países ditactoriais ou estados-pária, atingidos por guerras civis e calamidades várias).
E como estamos de corrupção em Portugal?
No último ano não se registaram melhorias no combate à corrupção em Portugal, segundo o ìndice da Transparência Internacional. De acordo com os dados de 2019, o país piorou 2 pontos, apesar de se manter na mesma posição do ano passado (30ª lugar), ficando novamente aquém da média da Europa Ocidental.
De acordo com o presidente português da "Transparência e Integridade" (João Paulo Batalha), "para além de promessas reiteradas e discursos de ocasião, não tem havido em Portugal uma verdadeira mobilização da classe política contra a corrupção". Para Batalha, "falta coragem política para implementar uma estratégia robusta, capaz de prevenir e combater eficazmente a corrupção, o que não se consegue com declarações de intenção".
Resta esperar que a divulgação dos dados, respeitantes a Isabel dos Santos, possa contribuir para o desmantelamento da impunidade com que esta  "lavandaria" operava em ambos os países. Nunca é tarde para começar. Ainda estamos no início...

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