2020/02/17

Somos todos Marega


Graças a Marega, jogador de futebol do FC Porto, o país parece ter despertado para um fenómeno que, não sendo novo, é olimpicamente ignorado por quem é responsável (no desporto e não só), ainda que o racismo (é disso que se trata) continue presente na sociedade portuguesa.
Não é todos os dias que um atleta abandona uma partida em protesto contra o racismo explícito nas bancadas, ainda que haja diversos exemplos, na história do desporto, de inconformismo e revolta de atletas em relação a esta questão.
Países há, onde, inclusive, as sanções contra as manifestações de racismo nos estádios, foram de tal modo pesadas, que os clubes penalizados pelas respectivas federações e governos não esquecerão, tão cedo, o que os espera em caso de reincidência. É o caso de Inglaterra e de Itália, onde as medidas tomadas (desde a interdição de estádios à identificação e proibição de claques) provocou uma verdadeira revolução no comportamento dos adeptos e dos clubes directamente afectados por esta onda de primitivismo, que continua a assolar os recintos desportivos.
Acontece que o aumento das manifestações de racismo, no futebol e não só, tem na sua génese causas mais profundas que, não por acaso, explodem no campos desportivos, arenas da rivalidade tribal por excelência.
Em tempo de populismos de extrema-direita, os bodes expiatórios da frustração dos "lumpen" de todas as nacionalidades são sempre o "outro": as minorias, os ciganos, os imigrantes, os refugiados, os muçulmanos ou os negros. Neste caso, era um negro jogador de futebol. Mas podia ter sido um negro trabalhador na construção civil, morador num bairro de lata, ou, simplesmente, um estrangeiro na fila do SEF. Todos eles, os Maregas anónimos deste país, que não têm direito aos (tristes) cinco minutos de fama do jogador negro do Mali.
É por isto que o gesto de Marega é tão importante. A dignidade não se vende, por muitos milhões que possa render. Resta esperar que os principais responsáveis (clubes, dirigentes, claques e governantes) saibam extrair deste episódio uma lição para o futuro: um desporto (e uma sociedade) onde as manifestações racistas não sejam toleradas e sejam condenadas sem contemplação.
Se isso acontecer, devemo-lo ao jogador. Por isso, hoje, todos somos Marega.

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