2020/07/30

Nem para embrulhar peixe


Existe um debate desde tempos imemoriais sobre o nome e a coisa. Certamente com medo que o vento leve as palavras, como refere o ditado, para uns o nome deve ser a essência da coisa. Para outros, a coisa é a coisa, o nome é apenas uma convenção que denota essa coisa. 
Vem isto a propósito de uma coisa cujo nome me recuso a escrever, mas cujas acções, porém, me suscitam alguma reflexão. Esta coisa é, supostamente, o presidente do país, auto-proclamado, mais poderoso do mundo. 
Os factos contam-se rapidamente. 

Uma mulher chamada Stella Immanuel, médica em Houston, numa clínica chamada Rehoboth Medical Center e fundadora de uma igreja chamada Fire Power Ministries, fez afirmações durante o seu "apostolado" do género de a pratica sexo com "espíritos atormentados é a causa de problemas do foro ginecológico, aborto e impotência," ou que "as mulheres são vítimas de sexo astral (sic!) regularmente. O sexo astral consiste na capacidade de projectar o espírito do homem no corpo de uma vítima e ter relações com ela." Segundo a CNN, Immanuel terá ainda dito que os médicos produzem medicamentos a partir do DNA de alienígenas e que estão a tentar criar uma vacina para nos imunizar contra a religião.
Mais recentemente, a autora destas brilhantes descobertas científicas disse que as máscaras não servem para nada e que existe uma cura para a Covid19, a tal hidroxicloroquina, entre outros, apesar de todos os estudos indicarem o contrário.
O assunto não mereceria qualquer atenção, não fora o facto de a coisa ter partilhado, através da sua conta no Twitter, o video onde a distinta esculápia fez estas últimas afirmações
Numa conferência de imprensa, ontem na Casa Branca, uma jornalista da CNN chamou a atenção para a falta de credibilidade de senhora e para o facto de a coisa lhe estar a dar cobertura, reproduzindo as suas afirmações. Ao que a coisa respondeu que "não sei de que país vem, mas ela diz que tem tido um sucesso tremendo com centenas de doentes e eu pensei que a sua voz era um voz importante, mas não sei nada sobre ela." Instada pela jornalista a precisar melhor o que queria dizer, a coisa abandonou a sala, com ar irritado. Se quiser ler o que se passou veja aqui.
É este o nível a que desceu a política na Casa Branca.
Mais uma vez, o assunto não teria importância, não fora, mais tarde, eu ter visto um outro jornalista da CNN, Anderson Cooper, em comentário a toda esta caldeirada e perante a situação de total degradação política a que as coisas chegaram no seu país, se ter posto a imitar o amuo da coisa, fazendo caras e produzindo comentários jocosos. Confesso que fiquei boquiaberto.
Lembrei-me da coisa a macaquear um repórter do NYT com uma deficiência física, que a própria CNN na altura criticou (ver aqui.) 

A coisa ditou um estilo na política que, qual monção, ameaça arrastar tudo e todos, incluindo a imprensa, que deveria ser capaz de resistir e impor um travão a tudo isto, ajudando a recolocar as coisas na sua escala correcta. 
Não admira, pois, que perante o ataque brutal de que a imprensa livre está a ser vítima, o lento assassinato de que Julius Assange está a ser vítima, perante o olhar de todos, não mereça sequer uma careta e um comentário jocoso. Foi o nível a que tudo isto desceu.

2 comentários:

Rui Mota disse...

Resta esperar que a "coisa" perca as eleições em Novembro e desapareça da civilização para sempre. Penso que coisas semelhantes, que andam por aí, perderiam o pio de vez...

Carlos A. Augusto disse...

Sim, poderia ser uma ajuda séria. Vamos ver. E vamos ver é se não há victória na secretaria...