2007/04/19

A última que me mandaram


representatividades (2)

O fenómeno não é novo e muito menos original. Quando a economia cresce, há pouco desemprego e é necessária mão-de-obra (de preferência barata) contratam-se trabalhadores estrangeiros para suprir as faltas do mercado. Quando a economia estagna, as obras param e as empresas deslocam as fábricas para outras paragens, fica o desemprego. Com este cresce a exclusão e a marginalidade social. Com a marginalidade aumentam a agressividade e a violência gratuitas, normalmente dirigidas contra os mais fracos da sociedade. Há que encontrar um "bode expiatório" para as nossas frustrações. Os estrangeiros são sempre mais apetecíveis. Se a estes factores, já de si explosivos, juntarmos a ignorância, o racismo e o fundamentalismo, com raízes na Inquisição e no Fascismo que atravessaram a maior parte dos últimos quatrocentos anos em Portugal, temos reunidos os condimentos necessários para explicar o actual surto de xenofobia. Já vimos este filme em qualquer lado e nem sempre acabou bem. A recente detenção de membros de um partido, que perfilha ostensivamente o ideário nazi, pode ser visto como uma prevenção, mas não é em si uma segurança. Melhor seria não existirem. Uma vez que existem, não resultará proibi-los. Mas convém monotorizá-los. Para não dizermos, depois, que não sabíamos...

2007/04/18

Ainda o Campeonato da Língua Portuguesa

Ex.ma Comissão Técnico-Científica do Júri Nacional do Campeonato Nacional da Língua Portuguesa,

Sinto-me como aquele sujeito que, tendo sido uns meses antes sodomizado por um gorila, respondendo à pergunta sobre se estava magoado, se queixava: "Claro que estou magoado; ele nem sequer se dignou mandar-me um postalzinho!"
De facto, essa douta Comissão não achou por bem responder aos argumentos que evoquei quanto a algumas respostas não coincidentes com as correcções aos testes do Campeonato, que enviei em sucessivas mensagens por correio electrónico e que dou aqui por reproduzidas.
Como não me conformo com essa ausência de respostas, tomo agora a liberdade de alvitrar, eu próprio, uma resposta possível às questões que coloquei, colocando-me na pele dessa douta Comissão.

Ex.mo concorrente
Pedimos desculpa pelo facto de só agora respondermos às questões que colocou, mas, como verá, tal não tem qualquer efeito prático, pois não tem razão em relação a nenhuma delas. Vejamos:

1. Primeiro texto do segundo teste.
Vale a resposta que demos:
«Não merecer castigo em vez de não merecerem castigo.
Porque o sujeito da oração infinitiva é o mesmo de «consideravam discutível», isto é, «eles». Quando assim acontece, o infinitivo é impessoal.»
Quanto ao facto de termos admitido prevaricarem em circunstâncias idênticas umas linhas mais abaixo, o mesmo não é relevante pois quem está aqui a ser avaliado são os concorrentes e não nós.
2. Quanto à pergunta 24 do segundo teste, se tivéssemos reparado na contradição entre a gramática e o dicionário de referência, não a teríamos colocado. Mas o que é facto é que, por se tratar de uma questão de sintaxe, o que vale é a gramática de referência, a qual estabelece que não existe a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo imergir. Não tem, pois, qualquer relevância que o dicionário de verbos do Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora admita a forma "imirjo", pois este só prevalece "para avaliar a exactidão da grafia das palavras" (art.º 12, ponto 1 do Regulamento).
3. Em relação à pergunta 14 do terceiro teste, mais uma vez o que vale é o dicionário de referência, no qual está escarrapachado «Coloquial dar tanga a (alguém) divertir-se à custa de (alguém)». É certo que tanga aparece como sinónimo de mentira em todos os dicionários de calão credíveis; mas num concurso como este o dicionário de referência é como uma bíblia inquestionável, mesmo que esteja errado e, assim, engane os concorrentes (isto é, lhes dê tanga).
4. Quanto à pergunta 15 do terceiro teste, os concorrentes não teriam mais que adivinhar o que vai na cabeça dos elementos que compõem esta Comissão e não o contrário (isto é, termos nós de nos submeter àquilo que passa pelas vossas cabecinhas). Então não é óbvio que quando nos deparamos com a frase «Ele é distraído, se não parvo», o que se quer dizer é «Ele é distraído, mas também parvo»? Só ao caro concorrente, é que poderia ocorrer interpretar a frase como «Ele é distraído, se não for parvo»!
Nesta conformidade, o caro concorrente não acederá ao Olimpo dos finalistas, antes tendo de se conformar com o choro e ranger de dentes dos excluídos.
Mas não desista; tente para o ano!
Pela nossa parte tentaremos entretanto corrigir os erros de português do Regulamento e prometemos escolher uns textos menos desconchavados e sem erros de lógica.
A Comissão Técnico-Científica

Estão a ver como era fácil?

Com respeitosos cumprimentos.

Raul Afonso Queirós Pinheiro Henriques

2007/04/16

A voz

Hoje, não sei se sabem, celebra-se o Dia Mundial da Voz. Tenho imenso orgulho na minha voz. E respeito pelas vozes dos outros. A voz diz tudo sobre o seu dono. Embora tenha um fascínio especial pelas vozes mais que pelo aspecto dos outros, concordo que há por aí muitas vozes de burro. Curiosamente, muitas chegam mesmo ao céu. Um céu a evitar, portanto, a todo o transe, esse céu dos burros.
Aprecio sobretudo este fenómeno dos blogs que dão voz a pessoas como eu, que de outra forma teriam de calar a sua. Seja ela mais fininha ou mais potente, toda a gente tem a sua voz neste universo dos blogs. Embora reconheça que, em muitos casos, são mais as vozes que as nozes. O pior é que fora desse universo, estamos assim: há para aí muita gente que tenta abafar a nossa voz engrossando a sua. Mas a nossa --a minha e a vossa, leitores deste blog-- engrossa ela também e floresce com a possibilidade de se exprimir livremente. Muitos destes que falam grosso gostariam que a nossa voz não fosse tão audível, mas os seus desígnios sairão inevitavelmente frustrados.
A nossa voz é, antes de tudo o mais, a voz da resistência.
Há que ter cuidados com a voz, dizem os entendidos neste Dia Mundial da Voz.
Eu acho que o único cuidado possível é nunca calar a nossa, nem abafar a dos outros. Dentro das regras. O resto é conversa.

2007/04/15

A bombeira voluntária

imagem daqui
Um dia aquela a quem eu chamo minha mãe não conseguia andar. Os anti-inflamatórios, tomados durante alguns dias, pareciam não estar a induzir melhoras e o médico assistente recomendou radiografias para se ver se havia alguma fractura.
Ambulância para lá, e horas de espera entre preenchimento de fichas, observação por médico de serviço ao banco do hospital, RX, constatação de que, felizmente, não havia qualquer fractura, chamamento da ambulância para o regresso, mais uma hora de espera.
Eis-nos dentro da ambulância, com um bombeiro a conduzir e uma simpática bombeira a acarinhar a minha mãe e a falar comigo. E se ela falava!
Quando tal se tornou evidente, percebeu-se também o sentido autocrítico dela:
-- Espero que isso não os incomode, mas adoro falar; e falo pelos cotovelos. Estou nos bombeiros, mas o que eu gosto é de estar com as pessoas. Ainda hoje de manhã, numa acção de formação sobre incêndios, me procurei esconder e passar despercebida. Tenho colegas que vêm para cá para combater os incêndios, mas eu fujo do fogo como o diabo da cruz. Alguns dos meus colegas acham que é um frete sair na ambulância, mas eu sou a primeira a oferecer-me. É por isso mesmo que eu estou aqui; porque nestas saídas estou com as pessoas, ajudo-as, falo com elas, aprendo, vivo. E quando não falo directamente ponho a conversa em dia no meu blogue. Também aí falo com as pessoas; falo eu e elas respondem, e volto a falar e os outros a falar comigo. Tenho sempre coisas para dizer.

Dizem que o nosso país não atingiu um patamar de riqueza suficiente para haver estímulo para o voluntariado. Cruzei-me outro dia com umas estatísticas que constatavam estarmos um abismo abaixo da média europeia também neste aspecto.
Aquela mulher de uniforme vermelho, oferecia alegremente o seu sábado para conversar com as pessoas que precisam de ajuda. É tão raro as pessoas darem sem pedir nada de material em troca, que isso me estimulou a prestar-lhe aqui esta modestíssima homenagem.
Bem aventurados sejam os voluntários!

A canção de Lisboa


Esta foi a última que me mandaram...

2007/04/13

Engenharias (3)

NO MESTRE ESCAMA: SNR. ENGENHEIRO

- O senhor engenheiro, hoje não engraxa?
- Engraxo na Baixa.

Alexandre O'Neill
(in "Uma Lisboa Remanchada")

Porquê a Ota?

imagem retirada daqui
Os poderes nacionais já ultrapassaram a fase de nos querer convencer de que é preciso um novo aeroporto em Portugal e de que ficaremos inevitavelmente afastados da "Europa" sem estas duas faraónicas obras. Quando falo em poderes englobo todos: Governo, oposições, comunicação social, parceiros socio-económicos.
Ambas estas obras são consideradas dados adquiridos e o que se discute são a localização e o traçado.
No entanto vale a pena lembrar que a Ota e o TGV são obras que inegavelmente vêm ao arrepio do afirmado esforço de contenção de despesas públicas (como se soube recentemente este esforço tem sido mais efectivo no campo das despesas de investimento do que nas de consumo corrente, as quais continuaram a crescer).
Então porquê todo este afã em levar para diante estes projectos?
A coisa prende-se com o modelo de desenvolvimento que queremos para o nosso país. Até agora o sector da construção civil é uma espécie de barómetro do que cá se passa: quando o sector está em crise, o país está em crise; quando está próspero o país está na maior e as pessoas optimistas. A gente habituou-se a viver assim...
No entanto é um sector que, do ponto de vista do produto que fabrica (casas, prédios, pontes, estradas) não é, em grande parte, reprodutivo: as casas servem para habitar e não são factores de produção. São-no indirectamente as vias de comunicação; directamente só as instalações fabris.
Como se sabe a construção civil vive actualmente uma época de crise, em que o parque habitacional já é excessivo para as necessidades, o que acarretou descidas significativas das margens, até agora tantas vezes especulativas.
O Governo teria agora a grande hipótese de separar águas: deixava o tão incensado mercado funcionar, não deitava a mão ao sector, as empresas não lucrativas morreriam por si; o que necessariamente implicaria a deslocação de pessoas e capitais para outros sectores. Safar-se-iam as empresas que se projectaram no mercado externo e fazem, com os seus técnicos e a sua tecnologia, obras noutros países, e as que se adaptassem ao mercado menos atractivo (dá mais trabalho, exige maior especialização e sensibilidade e não produz lucros tão elevados), mas agora tão urgente, do restauro das centenas de milhar de habitações degradadas (tantas delas património que urge não deixar morrer) e a precisar de intervenção.
Está-se mesmo a ver isto acontecer em Portugal!
O problema até nem reside tanto no grave abalo social que isto acarretaria: centenas de falências, milhares de desempregados a onerar ainda mais o parco pecúlio da Segurança Social.
E os autarcas e cliques respectivas? E os partidos políticos que compõem os orçamentos com os sacos azuis?
Vamos devagarinho nisso da escolha de um modelo de desenvolvimento mais exigente em termos de qualificação das pessoas e da tecnologia.
Por agora, venham as Otas, que ainda é tempo de otários.

2007/04/12

No rescaldo de Sócrates

Creio que foi o próprio Primeiro Ministro a referir (não sei se com ironia...), que a questão da sua sua licenciatura é um não-problema. Concordo com ele neste ponto. Este exercício a que nos obrigaram chegou a ser penoso. Pergunto eu: alguém está disposto a investigar ou a deixar-se investigar pela forma como obteve os seus diplomas? Algum desses jarrões que decoram a política portuguesa estará de facto disposto a expor perante os olhos de todos os Portugueses a forma como obteve os seus graus académicos? A confessar todas as passagens administrativas e os "canudos" vendidos no Rossio...?
Houvesse neste País a cultura do rigor, da honestidade e do primado do mérito e, de facto, nada disto teria sido notícia. Mas, alguém quer acabar de facto com o pântano? Não será a desonestidade o desporto nacional?
Só há um culpado nisto tudo: são os Portugueses, a sua generalizada estreiteza de vistas e a sua mesquinhez.
Se não fosse o culto da "cunha", se não fosse o culto doentio das aparências, dos "doutores", "engenheiros" e "arquitectos", deste gene de corrupção que parece fazer parte do DNA dos portugueses, nada disto seria notícia. Há muito que as instituições estariam acima de qualquer suspeita, há muito que o processo que conduz ao desempenho de cargos públicos seria enxuto e transparente, há muito que estaria instituido o culto do mérito, da solidariedade e da partilha.
Assim, como estamos, como tudo está preso por arames, à mínima brisa, ao mínimo problema estalam "crises" que, se não fosse o seu carácter profundamente trágico, só dariam para rir.
Desconfio profundamente das "crises" à Portuguesa. Pelo modo como vão as coisas, tudo indicia que por trás da denúncia de uma potencial falcatrua, estará certamente uma falcatrua em potência.
Neste momento, batemos no fundo. Chegados a um ponto em que a vida de todos nós acaba por ficar presa pela cadeira de "Inglês Técnico" do Primeiro Ministro, o melhor seria escolher, uma de duas: ou fazermos como as baleias e suicidarmo-nos colectivamente, ou procedermos a uma liquidação total e mudarmos de ramo...

2007/04/11

Ainda Sócrates

Valham-nos os blogs. Apetece-me deixar aqui uma ou duas notas sobre a questão do momento. Faço-o antes de ir para o ar a entrevista do primeiro-ministro, sem saber, naturalmente, como se vai ele sair dela.
Os jornais acusaram o primeiro-ministro de querer comandar a agenda política (whatever that means...) e de querer exercer pressão sobre alguns orgãos de comunicação, pressão que eles repudiaram. Olhando para a expectativa que rodeia esta sua presença na televisão, definida, situada e fixada por ele, nos termos que bem lhe apeteceu, temos de concluir que Sócrates já ganhou. Perante as acusações dos jornais, o primeiro ministro responde deixando a atenção do país (e dos jornais...) inteiramente presa a si. Os jornais saem batidos deste confronto. Hoje, mais do que nunca, é Sócrates que define a agenda dos jornais. Nem é preciso pressionar...
O único verdadeiro receio que toda esta questão poderia suscitar --o único verdadeiramente legítimo, o programa político do governo, a credibilidade deste e a do seu principal responsável para o cumprirem...-- vai ser, em resultado das motivações e da forma como todo este processo foi orientado, dissipado com maestria. Não tenho quaisquer dúvidas. Sócrates não vai à RTP para perder...
Convencidos que hoje vale tudo para vender papel e que se pode brincar impunemente com o fogo, os jornais prestaram-nos mais um mau serviço. Não há um único orgão de informação que saia daqui sem mácula. Mais um feito notável para assinalar na sua folha de serviço. Depois queixam-se da crise da imprensa.
Os problemas do país seguem dentro de momentos...

2007/04/10

engenharias (2)

As recentes declarações do ministro Mariano Gago, sobre o famigerado caso da licenciatura do primeiro-ministro, agora ex-engenheiro e ex-MBA, José Sócrates, vieram tornar mais complicada uma novela, já de si pouco edificante. Para aumentar a confusão, o "Público" de hoje publica documentos insuspeitos, que exigem explicações claras. Seguem-se, um debate na televisão, não por acaso intitulado "O silêncio de José Sócrates" e, climax final, as declarações do próprio, anunciadas para quarta-feira, dia 11 de Abril. Tudo leva a crer, que não ficaremos por aqui. Que mais se seguirá?
Depois do "apito dourado", será que vamos ter um "canudo dourado"?

2007/04/08

Os orfãos do Iraque

Uma reportagem do Telejornal da RTP 1 de hoje (domingo de Páscoa) mostra a situação lancinante dos orfãos do Iraque. São milhares, cinco mil só em Bagdad, têm perfeita consciência da sua situação e choram. Choram e alguns cantam para consolar os seus companheiros de infortúnio. É uma situação, verdadeiramente, dramática, que me fez chorar (não tenho qualquer rebuço em o confessar), a mim também, enquanto ia vendo as imagens.
Aqui está uma faceta da tragédia do Iraque que não ocupa, infelizmente, lugar habitual nos alinhamentos dos telejornais. Chamem-me ingénuo, mas creio que se passassem estas imagens todos os dias, em vez das imagens dos Rumsfelds, Bushs ou Condoleezzas, dos atentados, dos soldados americanos e ingleses e dos seus dramas, ou (já que estamos em época pascal...) as imagens recorrentes daqueles patetas filipinos que, anualmente, decidem crucificar-se, estou certo que este sofrimento muito terreno, terrivelmente real e infinitamente injusto dos orfãos iraquianos encontrava uma solução em três tempos.
O jornalista diz que os milhares e milhares de crianças que não encontram abrigo nos orfanatos existentes (na sua maioria superlotados e sem meios) se dedicam ao roubo, à mendicidade, ou, remata ele, são alvo fácil dos movimentos radicais...
"Roubo... mendicidade... Alvo fácil dos movimentos radicais!"
E de uma assentada, claro, a culpa de tudo isto, está bom de ver, passa a ser dos "movimentos radicais"... Consciente ou inconscientemente, o jornalista rematou com uma conclusão totalmente deturpadora o assunto que decidiu reportar.
Já agora, como nota acessória, gostava de ouvir as vozes dos movimentos "Pela vida", que votaram "Não" no recente referendo sobre a IVG, erguerem-se com veemência contra tudo isto.

2007/04/06

É Páscoa, ninguém leva a mal...

Segundo o Público, o novo bispo do Porto afirmou durante a homilia pascal que "o melhor do que somos neste Velho Continente que tarda tanto em rejuvenescer, como a liberdade e dignidade pessoais, nasce do comportamento e da palavra de Cristo, diante da opressão que sofria." Acrescentou ainda que "o direito e a civilização evoluíram sobre bases indiscutivelmente evangélicas."
Não me passa pela cabeça duvidar da bondade das palavras do bispo do Porto. Mas, uma simples visita à história da Europa e à história do Cristianismo mostra que as coisas não são, porventura, exactamente assim.
Em primeiro lugar, esta afirmação parece ignorar o contributo absolutamente crucial de diversas civilizações, europeias e não europeias (hoje tratadas com sobranceria) para a génese do pensamento e das instituições ocidentais. Parece até esquecer a importância desse contributo para a construção do próprio pensamento evangélico. A luta pela garantia da liberdade e dignidade pessoais no espaço europeu foi até, quiçá, mantida contra a Igreja.
Depois apaga com ligeireza o comportamento, vergonhoso e cruel, que a Igreja Católica teve em determinados períodos da história. Aqui em Portugal, por exemplo, sabemos bem o que foi o contributo do "pensamento envangélico" em determinados momentos da nossa gesta heróica.
Galileu deve ter dado uma volta no túmulo...

2007/04/05

Os imigrantes são imprescindíveis

No dia em que os Gato Fedorento colocaram um cartaz no Marquês de Pombal onde apelam à imigração, soube-se que os imigrantes valem 7% da riqueza do país.
Confirmando que "a melhor maneira de chatear os imigrantes é obrigá-los a viver em Portugal", é sabido que eles "desempenham as funções que os portugueses não querem".
Nacionalismo, pelo menos o veiculado pelo PNR, é realmente parvoíce.
E, já que "os imigrantes representam actualmente cerca de 9% a 10% da população activa nacional apesar de serem menos de 5% da população portuguesa", é certo que só "com portugueses não vamos lá".
Aos imigrantes, mas também aos "Gato Fedorento" (que pagaram o cartaz do seu bolso) também eu digo: Bem-vindos!

Outros engenheiros...

Independentemente da questão substantiva do modo como poderá ter sido obtido o título académico do primeiro ministro, da sua legitimidade e da forma, algo canhestra, como todo este assunto foi e está a ser tratado por ele e pelo seu staff, vejo toda esta algazarra, vejo a forma determinada como o assunto vem sendo reiteradamente tratado pelo Público e não posso deixar de me interrogar porque é que foi, justamente, esse jornal a gerar, nesta altura precisa, toda este polémica. Poderá ser porque o engenheiro Belmiro de Azevedo (outro engenheiro!) é o dono do Público e ficou com azia pelo desfecho da OPA sobre a PT?
Como leitor do Público tenho o direito de assim me interrogar. E creio que os leitores do jornal merecem que essa sombra se dissipe rapidamente. Para que o conteúdo do Público, publicado no passado e a publicar no futuro, continue credível...
Nada disto tem a ver com a questão substantiva do título académico do primeiro ministro, repito... Dele também espero explicações claras!

2007/04/04

engenharias

A "saga" do diploma de Sócrates tornou-se no "fait-divers" nacional. Uns dizem que não lhes interessa nada se o homem é licenciado ou não (só querem saber se está registado de acordo); outros, pensam que a notícia é um "não caso" (pelo que não merece ser publicada). Enquanto jornais e programas televisivos de "referência" continuam a encher páginas e noticiários com esta "não notícia", o governo é acusado de pressionar as redacções para evitar o pior. Com tanta confusão, não é para admirar que a Wikipédia tenha actualizado dezenas de vezes o curriculum do primeiro-ministro. Eu. se fosse ele, estaria preocupado em ter um diploma passado pela Universidade Independente...

2007/04/03

Magnólia

Soube hoje pelo Público que as magnólias existem no mundo pelo menos há 95 milhões de anos, (grandeza que, diga-se de passagem, é para mim completamente inimaginável). Existiram antes das próprias abelhas. Ou, se calhar estas formaram-se enquanto espécie por poderem alimentar-se nestas flores. Admitindo-se esta especulativa e tendenciosa hipótese, sem magnólias era capaz de não haver hoje abelhas. Portanto também, o mel e a cera.
Pois apesar de terem uma, mesmo em termos do reino vegetal, invejável longevidade (parece que se conhecem uns exemplares com uns 800 anos), estes arbustos, ou pequenas árvores estão em perigo: 131 das 245 espécies selvagens de magnólias estão em vias de desaparecer.
O que, segundo o artigo, é uma espécie de barómetro em relação à saúde das florestas em que elas se criam.
Há umas gerações, era costume dar-se nomes de flores às meninas. Algumas privilegiadas recém-nascidas herdaram, assim, o nome desta flor: magnólia.
Tem uma sonoridade linda, magnólia.
A minha mãe chamava-se Magnólia.

Campeonato da Língua Portuguesa 6

Senão e se não
15. Nas opções seguintes, assinale a correcta:
A. Ele é distraído, se não parvo.
B. Aquele cuja casa falei.
C. Eles fizeram mesmos aquilo de que foram acusados.
D. O mais pequeno não chegava à mesa, o maior batia nela com os joelhos.
A resposta certa é: D, «O mais pequeno não chegava ao chão, o maior batia nela com os joelhos».
Na primeira, devia estar «senão» (significando: «mas também»). Na segunda, devia estar «de cuja casa» («falar» rege a preposição «de» neste caso). «Mesmo» como advérbio não se pluraliza. Não pode dizer-se «o mais grande», mas é legítimo dizer-se «o mais pequeno».

Abordei esta pergunta procurando as frases erradas. Não foi, pois, difícil excluir as opções B e C.
Quanto às outras duas, confesso não descortinar qualquer erro. Debrucemo-nos sobre a opção A, por ser a que assinalei como correcta.
Mas antes atentemos na correcção que foi feita. A primeira nota é que o dicionário de referência não considera mas também como significado de senão. A segunda nota é que, nessa interpretação se estaria a subentender a expressão não só na primeira oração do período., sendo a frase completa: Ele não só é distraído, mas também parvo. Eu nunca me lembraria desta interpretação, ao ler a frase; mas é possível que alguém pudesse levar a coisa para esse rebuscado lado...
A minha interpretação da frase foi bem mais simples: não estando o predicado expresso, subentendi na segunda a forma verbal da primeira oração. A frase seria: «Ele é distraído, se não é (ou for) parvo», ou, em formulação equivalente, «... se é que não é parvo».
A estribar esta interpretação cito José Neves Henriques no CiberdúvidasQuando o se é uma conjunção e o não é um advérbio de negação.1 - Neste caso, o se está ligado a um verbo, claro ou subentendido:b) Homens iguais se não superiores, temos hoje. (= ... se não forem superiores ...).c) Amaram-se um pouco, se não muito. (= ... se não se amaram muito)».Opinião que é confirmada por Maria Regina Rocha, também no Ciberdúvidas2.1.2. Com o verbo subentendido: "Estavam lá dezenas de jovens, se não centenas." Subentende-se aqui a mesma forma verbal da primeira oração ("estavam").Uma regra simples para se verificar esta situação (2.1.2.): neste caso é possível introduzir a expressão "é que" entre o "se" e o "não": "Estavam lá dezenas de jovens, se é que não estavam centenas!"».
Apesar de a formulação da pergunta admitir apenas uma resposta correcta, supus que, propositadamente ou por engano, fossem possíveis duas, à semelhança do que se passara com a pergunta 2 do 2.º teste, e se passa quanto à pergunta 24 deste teste.
No processo de escrever este texto deparei com o que me parece (e também ao Ciberdúvidas) ser um erro do dicionário de referência: assim como o plural de não é nãos, o plural de senão é senãos e não senões.

2007/04/01

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 5

Uso do calão
Eis uma das perguntas do 3.º teste e a respectiva resposta:
14. «Dar tanga a alguém» significa:
A. enganá-la
B. oferecer-lhe uma sunga
C. divertir-se à sua custa
D. passear com ela, de barco à vela
A resposta certa é: C, «divertir-se à sua custa».
Ver obra de referência, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, página 1470.

Era de caras; bastava ir ver ao dicionário. Mas isso é o que fazem os marrões. Eu, como sempre utilizei o vocábulo tanga, em calão, como significado de mentira, por amor à língua portuguesa, preferi investigar. Eis o que encontrei:

O Dicionário de Calão, de Albino Lapa (prefaciado por Aquilino Ribeiro; 1.ª edição, 1959), refere, a propósito:
«TANGA – É o nome dado ao jornal que o carteirista finge que está a ler, pois só olha e estuda os passos do indivíduo que há-de ser a sua vítima do roubo.
TANGA – Nome que se dá ao indivíduo que distrai a vítima para o roubar. O mesmo que tanguiar.
TANGUEAR – Trocar as voltas; entreter; gozar.»

Já o Novo Dicionário de Calão, de Afonso Praça, estabelece:
«Tanga – Mentira [dar uma tanga = enganar alguém; contar histórias que não são verdade; inventar]». Inclui, de seguida, os sentidos da palavra acima citados, admitidos por Albino Lapa.
«Tanguear – Trocar as voltas; distrair; entreter».

Por seu turno, o Dicionário de Calão do Mundo do Crime (compilação e pesquisa do Subcomissário Paulo Jorge Valente Gomes, ed. Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna), livro de estudo da Escola Superior de Polícia, portanto obra que deveria ser de referência quanto ao uso do calão, estabelece:
«Tanga – Envolver a vítima para lhe furtar a carteira ("fazer-lhe o cerco"). Mentira». (Terá de se levar em conta o facto de o Subcomissário Paulo Gomes não ser certamente um linguista, nem um especialista em português, para aqui dar um verbo como significado de um substantivo; "envolver" melhor será, pois, "dar tanga", "tanguear").

O vocábulo tanga terá, pois, sido utilizado inicialmente para nomear um objecto, "o jornal que o carteirista finge que está a ler". Isto faz todo o sentido se repararmos que tanga é uma «peça de roupa usada à volta das ancas por nativos de países quentes», isto é, um objecto que esconde alguma coisa: no sentido próprio, os pudendos; no uso marginal, a intenção de quem se apresta para enganar e roubar outrem. Por extensão o termo terá passado a significar o "indivíduo" que finge ler o tal jornal ou, por qualquer outro processo, "distrai a vítima para o roubar".
A evolução sofrida a partir desta origem não foi significativa, mantendo-se no âmbito do engano do outro, da "mentira".
O significado expresso no dicionário de referência do Campeonato («Coloquial dar tanga a (alguém) divertir-se à custa de (alguém)») pode ser que seja uma acepção mais "civilizada", «coloquial», derivada da, mais crua, terminologia do mundo do crime. De facto, é admissível que enganar outrem em proveito próprio proporcione divertimento a quem o faz.
Mas uma coisa é certa: uma tanga é uma mentira. Portanto dar tanga a alguém é enganar esse alguém. A resposta certa deveria ser a A.

2007/03/30

representatividades

O mês de Março tem sido fértil em notícias curiosas. Atente-se nas coincidências:
Presidente de câmara prossegue cruzada pela instalação de um museu Salazar em Sta. Comba Dão; movimento de extrema-direita concorre com lista em associação de estudantes; concurso televisivo consagra Salazar como o "maior" português da História; partido de extrema-direita coloca "outdoor" no Marquês de Pombal, com apelo racista contra os imigrantes. Enquanto as autoridades não vêem mal nenhum nestas singelas manifestações, os comentadores do costume dizem que não nos devemos preocupar: tudo não passará de um epifenómeno, sem qualquer representatividade. Fiquei muito mais descansado...

2007/03/29

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 4

Os verbos defectivos
Verbos defectivos são os que «não têm a conjugação completa consagrada pelo uso» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, página 443 da 17.ª edição).
Atentemos na pergunta do 2.º teste sobre este tema e na respectiva resposta:

«24. Qual a forma da primeira pessoa do singular do verbo «imergir» no presente do indicativo:
A. imerjo
B. não tem
C. imergo
D. imirjo

Resposta - B.
A resposta correcta é a B, não tem. Na 8ª edição da Nova Gramática do Português Contemporâneo, livro de referência segundo os regulamentos, a páginas 445, em «Verbos Defectivos», dá-se claramente como exemplo o verbo banir, e mais se afirma que pelo seu modelo se conjuga, entre outros, o verbo «imergir», que não possui, portanto, a 1ª pessoa do presente do indicativo.»

Tudo certo. Mas não inequívoco.
É que, se é certo que a gramática de referência estabelece que não existe a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo imergir, é também certo que o dicionário de verbos do Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, também ele de referência quanto à sinonímia, admite a forma "imirjo".
Teria ou não sido de bom-senso não incluir perguntas em que este tipo de contradição se verifica?

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 3

A flexão do infinitivo
O português é uma língua bastante complicada, porque tem regras e mais regras, a propósito de tudo e da nada.
Um dos assuntos mais controversos e sobre o qual não existem regras taxativas é o da flexão do infinitivo.
Para toda a malta perceber, tomemos por exemplo o verbo andar. O infinitivo impessoal não tem sujeito próprio e é o nome do verbo: andar. Quando tem sujeito próprio o infinitivo pode flexionar-se, isto é, variar consoante o sujeito: andar, andares, andar, andarmos, andardes, andarem.
Quanto à questão de se saber quando é que o infinitivo deve ou não ser flexionado, vale a pena citar a "conclusão" constante da gramática de referência do Campeonato ("Nova Gramática do Português Contemporâneo", de Celso Cunha e Lindley Cintra, página 487 da 17.ª edição):
«Como vemos, «a escolha da forma infinitiva depende de cogitarmos somente da acção ou do intuito ou necessidade de pormos em evidência o agente da acção» (Said Ali). No primeiro caso, preferiremos o INFINITIVO NÃO FLEXIONADO; no segundo, o FLEXIONADO.
Trata-se, pois, de um emprego selectivo, mais do terreno da estilística do que, propriamente, da gramática.»
Este reparo deveria pôr de sobreaviso quem elaborou os testes, pois são frequentes os casos em que são admissíveis tanto a forma flexionada como a não flexionada.
Evitar-se-iam contradições como a que acontece em relação ao 1.º texto do 2.º teste. Transcrevamos a parte do texto em questão (antes da correcção dos vocábulos aqui em análise):
«Consideravam discutível não merecerem castigo pelos crimes do passado, uma vez que estavam arrependidos. De qualquer forma, mesmo que fossem punidos, estavam decididos a nunca mais pervaricarem.»
Foi esta a correcção feita pela Comissão Técnico-Científica do Campeonato (CTC):
«Não merecer castigo em vez de não merecerem castigo. Porque o sujeito da oração infinitiva é o mesmo de «consideravam discutível», isto é, «eles». Quando assim acontece, o infinitivo é impessoal.
Prevaricarem em vez de pervaricarem.(do latim praevaricar), infringir uma norma estabelecida.»
Quer dizer, o merecerem passa a merecer, mas o prevaricarem não passa a prevaricar! Mas o que é facto, é que também neste segundo caso o sujeito da oração infinitiva é o mesmo de «estavam decididos», isto é, «eles», e aqui a CTC manteve o infinitivo flexionado, apenas emendando o erro de morfologia.
Fica bem evidente a contradição entre estas correcções. É capaz de haver duas facções na CTC. A primeira coloca mais a ênfase na acção e escolhe merecer em vez de merecerem; a segunda põe em evidência o agente da acção e escolhe prevaricarem em vez de prevaricar.

Esta questão, apesar de ter sido levantada no dia 16 deste mês, infelizmente ainda não mereceu resposta por parte da CTC.

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 2

Numa leitura não exaustiva do Regulamento do Campeonato Nacional da Língua Portuguesa encontrei os seguintes dislates:
«1. A correcção das provas que constituem o Campeonato Nacional da Língua Portuguesa serão divulgadas neste sítio web e far-se-á sobre o controlo da comissão Técnico Cientifica do Júri Nacional» (Art.º 10.º).Este período registava dois gravíssimos erros:Na primeira oração, falta de concordância entre o sujeito ("a correcção") e o predicado ("serão divulgadas"); por outro lado, em vez da preposição "sobre" deveria estar "sob". Além disso, Técnico-Científica escreve-se assim, com hífen. E não dava para entender por que razão a palavra "comissão" estava escrita com minúscula quando todos os outros vocábulos da expressão levavam maiúscula.
Também no art.º 9 (« 3. Para efeitos de aceitação dos testes qualificativos dos concorrentes apenas serão admitidos os testes distribuídos com o Expresso e o Jornal de Letras, não se aceitando quaisquer cópias ou fotocópias dos mesmos ou os testes disponibilizados neste sítio web, após registo.») a expressão "não se aceitando quaisquer cópias ou fotocópias dos mesmos" deveria estar entre parêntesis ou, no mínimo, entre vírgulas. Como está, parece que não se aceitam "os testes disponibilizados neste sítio web, após registo".

Alertados por carta que lhes enviei, eles lá emendaram os principais erros do art.º 10, tendo, no entanto, mantido Científica sem acento no i. No art.º 9.º nem tocaram.
Tal é o cuidado que os organizadores põem no uso da língua portuguesa.

Campeonato Nacional da Língua Portuguesa 1

Proponho-me escrever alguns posts acerca da minha participação no Campeonato Nacional da Língua Portuguesa.
Poderá interessar a quem, como eu, goste da língua portuguesa.
O primeiro teste passou-se sem problemas.
Quanto ao segundo já não posso dizer o mesmo.
Começo por fazer alguns reparos a propósito dos dois textos desse teste. São textos que vêm propositadamente com erros que os concorrentes devem corrigir.
O primeiro texto é sobre três salteadores. Diz, na sua parte final (versão com as correcções do júri):
«Consideravam discutível não merecer castigo pelos crimes do passado, uma vez que estavam arrependidos. De qualquer forma, mesmo que fossem punidos, estavam decididos a nunca mais prevaricarem.»
Faz algum sentido que os salteadores achem que merecem castigo por causa de estarem arrependidos? Aquele "não" subverte toda a lógica do discurso; o natural era que os salteadores considerassem discutível merecer castigo, já que "estavam arrependidos" e "decididos a nunca mais prevaricar", "mesmo que fossem punidos". Só faria sentido usar o tal "não", se na última oração estivesse "apesar de estarem arrependidos". O arrependimento poderá ser motivo de perdão ou redução de pena; nunca do contrário.
Mas isto não fica por aqui. Atentem neste naco do segundo texto:
«Era um homem de um vigor titânico e as pessoas ainda hoje vêem nele um verdadeiro rei da força.
Desde há anos que todos lembram a sua intenção de não aumentar os salários para incentivar o investimento empresarial. Antes de o conseguir, morreu, há um mês, de uma insurreição popular dirigida por anarco-sindicalistas.»
Esse fantástico "homem de valor titânico" só por ter morrido em vésperas de o conseguir, não cometeu a proeza de "não aumentar os salários para incentivar o investimento industrial". Se não tem morrido lá teria ele, com certeza, não aumentado os salários.
No mesmo texto há a seguinte passagem completamente desprovida de lógica:
«No cumprimento dos deveres do novo mandato, o herdeiro foi ratificado pelo fórum, pois que os seus membros, mesmo com dúvidas, não queriam originar um precedente eleitoral, e decretaram a dispensa de provas. O recém-eleito é que não achou graça, entendendo que estavam a discriminá-lo.»
Primeiro, havendo ratificação pelo fórum, só depois desta o "herdeiro" encetará o "cumprimento dos deveres do novo mandato"; antes não estará ainda mandatado.
Segundo, diz o texto que "o escolhido era quase perfeito"; mesmo assim os membros do fórum tinham "dúvidas" e só "decretaram a dispensa de provas" por não quererem "originar um precedente eleitoral".
Terceiro, como é que o recém-eleito poderia entender que o estavam a discriminar se os membros do fórum até "decretaram a dispensa de provas", atitude que, além de ser a habitual (a exigência de provas teria sido "um precedente eleitoral"), facilitava a sua escolha?

Num Campeonato sobre a Língua Portuguesa, valia a pena porem uns textos que não fossem tão inacreditavelmente mal escritos.

2007/03/04

Perturbador

O Público de hoje noticia que um homem foi injustamente condenado por homicídio. "Devido a um erro grosseiro no depoimento do médico e na realização da autópsia", acrescenta o Público. Verificado o erro, o homem processou os dois médicos do Instituto de Medicina Legal cujo depoimento esteve na base da condenção a 12 anos de cadeia. Oito anos depois o STJ, apesar de reconhecer a ilegitimidade da detenção, não aceitou a queixa contra os médicos, simplesmente, por esta ter dado entrada fora do prazo e condenou o homem ao pagamento das respectivas custas judiciais.
É a vida de uma pessoa. Um cidadão foi portanto condenado injustamente pelo Estado, devido a um erro do sistema e privado de ser compensado por esse erro da justiça, apenas por ter ultrapassado uma data meramente convencional. Para cúmulo, é condenado a pagar as custas de um processo que interpôs com a intenção de ver o evidente erro reparado. Parece brincadeira mas não é...
Erros judiciais ocorrem por todo o lado e em todos os tempos. Alguns até deram direito a enredo de filme ou a tema de romance. Serão difíceis de erradicar totalmente, mas neste caso eu não creio que se trate de uma excepção. É a norma.
A forma como o sistema judicial português está montado e o seu modo de funcionamento real levam a que o recurso à justiça esteja vedado à generalidade dos cidadãos e que esse recurso não seja garantia de que a justiça seja efectivamente exercida. De tudo isto resulta que a vítima acaba por ser de certa forma condenada, quanto mais não seja porque vê a justiça ser-lhe negada.
Nada disto nos pode deixar tranquilos. A injustiça é o caminho certo para a revolta. O exercício da justiça é um sinal de civilização. No caso presente, fico perturbadíssimo com a facilidade que permite ao sistema judicial português criar revoltados potencias e como recusa o exercício dos princípios mais elementares de justiça.
Mal de nós se tivermos o azar de cair nas suas malhas...