A recente "deriva totalitária", que parece ter atacado os governantes deste país, pode não passar de um momento de histeria individual de alguns dos seus ministros, mas começa a incomodar. Desde logo, os processados, principais vítimas desta política de "bons costumes", suspensos a torto e a direito segundo o famigerado princípio da alegada "falta de confiança". Depois, os restantes cidadãos que, à esquerda e a direita, ainda têm alguma memória de um regime que não querem ver de volta. Neste quadro, as críticas do principal partido da oposição (ainda que justas) carecem de moralidade, pois o seu curriculum não será muito diferente das práticas da actual maioria.
Há no entanto algo de mais profundo e preocupante em todas estas histórias de punição de funcionários que nos deve alertar: trinta e três anos depois da queda de um regime que alicerçava muito do seu poder numa vasta "rede de informadores", existe uma nova geração de "bufos", disposta a retomar a famigerada tradição. Por não acreditar que estamos em presença de uma herança genética, temo que estes maus hábitos tenham mais a ver com o clima de intimidação reinante, do que com cidadãos portugueses normais. Olhando para trás, observamos que os "picos" de intolerância sempre se verificaram em épocas de maioria absoluta. Foi assim no Cavaquismo, que durou dez anos e teve a sua "deriva totalitária" no segundo mandato; e parece acontecer agora, durante a primeira maioria socialista. Já sabíamos que quem se metia com o PS "levava" (Jorge Coelho "dixit"); mas começar a "dar" ao fim de dois anos e meio de legislatura, é obra! Ele há vícios difíceis de extirpar. A intolerância e o autoritarismo são alguns deles e não têm, como já se percebeu, a ver com ideologias. Muito menos partidárias. Wilhem Reich, num notável ensaio intitulado "A psicologia de massas do fascismo" (1933) já explicava porquê. Esquecer a história (não ter memória) pode ser fatal. Os governantes do PS deviam ler mais livros.
6 comentários:
Mais livros?!
Livros... tout court! Creio que nem os governantes, nem as oposições lêem ou alguma vez leram sequer um livro.
Se lessem mais tinham menos tempo para fazer a m.... que andam a fazer!
No tempo dos "brandos costumes" salazarentos, cerca de meio-milhão de portugueses (dados da Comissão de Extinção da Pide/dgs) prestavam-se à santa função de bufos a troco de uns miseros trocos ou de pequenas fortunas consoante o valor da informação. Não tenhamos dúvida: a bufaria está na massa do sangue de muito português como expediente para trepar no local de trabalho.Não há salvação, portanto.
Também acredito que o Salazarismo deixou sequelas graves que, ainda hoje, são visíveis no comportamento dos portugueses. É mesmo possível que já venha da Inquisição (sempre foram trezentos anos!). O José Gil (Portugal: o medo de existir) fala nisso. Mas, ele próprio não tem uma explicação para tal. Penso que terá mais a ver com a falta de uma tradição democrática e humanista como aquela que já existe no Norte Europeu há centenas de anos. Se não for essa a explicação, então é mesmo genético e não haverá, de facto, salvação...
Não há causas genéticas para determinados comportamentos. Isso não faz qualquer sentido. Há ignorância, há miséria, há história mal digerida, haverá muitas razões, mas a genética não! De resto, não estamos sós nestas coisas. E houve muitos povos que fizeram mesmo disto uma arte, bem mais requintada do que aquela que nós jamais fomos capazes de produzir.
Os responsáveis por estes comportamentos somos nós! Temos coisas más, mas temos também coisas boas. Temos de valorizar as boas e corrigir as más. É tão simples como isso. Senão nunca mais vamos lá...
Corrigir as más é um problema, mas valorizar as boas revela-se um problema ainda mais bicudo...
No final somos sempre nós os culpados.
Claro que não é genético, mas a miséria não é só material. É principalmente moral. Depois há a ignorância, a "mâe de todos os males", que os sucessivos governos tendem em perpetuar, pois isso ajuda à manipulação dos espíritos. Se os espíritos forem católicos, melhor ainda.
Voltando ao princípio: não foi só o Salazarismo que fez dos portugueses o que são, mas a compreensão do que são os portugueses que permitiu a Salazar governar tanto tempo o país. Isso parece-me inquestionável. O mal já vem de longe e por isso o José Gil refere a Inquisição. Onde começou e porquê, não sabemos. Não sei se há mais "bufos" ou não noutros países (nunca os contei!) mas eles tendem a proliferar mais em sociedades concentracionárias e menos em sociedades democráticas, como é natural. Por isso, devemos tentar criar cidadãos livres de preconceitos, a melhor forma de evitar os "bufos". Cidadania, precisa-se!
Habituámo-nos a viver com o medo, que se tornou uma nossa segunda pele. Os piores de nós ambicionam fazer parte do lado dos que exercem o medo, pois assim crêem livrar-se um pouco dele. Coitados, só depois descobrem que apenas substituiram um medo por outro.
É um "caldo de cultura" apropriado para governantes com tendências autoritárias.
Concordo com o Rui em que José Gil viu este assunto muito bem. E com o Carlos, quando ele sacode a genética, campo que tem as costas largas. E digo, também como o Rui (e penso que com isso todos estamos de acordo, postadores deste blogue): Cidadania, precisa-se!
Enviar um comentário