2007/11/13

Leituras cruzadas

O meu amigo, o encenador Fernando Mora Ramos, publicou no Público do passado dia 10 de Novembro um artigo intitulado "Um em cada cem". O artigo aborda a questão das verbas destinadas pelo OE à cultura e a este propósito lembra a posição do governo: que não haja "ilusões, o Governo tem de definir prioridades."
FMR afirma "Como a história ensina não há transformação sem uma base cultural forte. E a mudança actual é para trás, não ao contrário. Não tenhamos ilusões."
Mas, então e os propósitos anunciados pelo governo quanto ao desenvolvimento? E a aposta no incremento do conhecimento e na qualificação dos Portugueses? E a ciência? A ciência não é cultura?
Quis o acaso que andasse a ler um livrinho intitulado "Scientific Curiosity", de Cyril Aydon, onde a páginas tantas deparo com o seguinte parágrafo (traduzo livremente):
"A ciência, tal como hoje a concebemos, aconteceu apenas duas vezes na história do mundo. E entre o crepúsculo do mundo Grego e o amanhecer da moderna era científica tivemos um hiato de 1500 anos, durante o qual pouco ou nada foi acrescentado ao nosso património de conhecimento científico. Porquê? Poderia ser genético. Os Gregos não eram mais espertos que os Romanos ou os Chineses, nem os habitantes da Europa mais espertos que os Aztecas, ou o povo do Zimbabwe. Talvez a explicação esteja na economia: a ciência só pode prosperar em sociedades suficientemente ricas para permitir que uma série de gente se sente para pensar e conversar. Mas, a riqueza e o tempo livre não podem ser a explicação senão a antiga Roma e a China Clássica teriam sido fábricas de ciência. A explicação deve ser de índole cultural, para além de econonómica. Algumas sociedades estão organizadas de forma --e desenvolvem hábitos de pensamento-- que torna a ciência viável. Outras, igualmente prósperas, tem formas de organização, códigos de crenças e formas de pensamento que fazem definhar a ciência. As sociedades com um respeito exagerado pelo passado não podem gerar a atitude de desafio às ideias feitas que produz novas formas de compreensão. As sociedades em que os sacerdotes têm poder tendem a aprisionar ou suprimir aqueles que ameaçam o seu monopólio na explicação das coisas. Quando o discurso e o pensamento livres são constrangidos, a mente e o corpo apodrecem agrilhoados."
Não há sequer mudança em Portugal. Nem para trás, nem para a frente.

5 comentários:

Rui Mota disse...

Uma das características da actual sociedade portuguesa é a crescente (des)ideologização do debate político. Uma tendência que o pensamento (pós) moderno de Fukuyama sintetizou no seu celebrado best-seller "O fim da História". Infelizmente para os seus seguidores, a História não é pré-determinada e, quando menos se espera, lá está a excepção a lembrar-nos que não há messianismos de esquerda ou de direita que nos salve...Portugal, por motivos conhecidos (iliteracia e fraca consciência cívica) é mais vulnerável a esta desinformação. Não é pois, de admirar, que a Cultura (a eterna parente pobre dos regimes pobres) seja a primeira sacrificada. Por alguma razão, o recente orçamento de estado é o mais baixo neste campo. Elucidativo.
Os actuais governantes sabem que, desta forma, é mais fácil manipular a opinião. Resta-nos procurar a cultura alternativa alhures. É sempre possível.

i figueiredo disse...

Naturalmente é por causa dessa (des)ideologização do debate politico, e cultural direi eu, que vocês viram a cara ao caso Maria de Medeiros e a todos os casos (que são muitos) de lavagem da História que por aí pairam.
Afinal, a leninização da história, da memória e da imagem não vitimou só o Trotsky...
E que viva Stalin!!
É preciso é estar-se na moda, ser-se pós - moderno, frequentar os frageis. Já basta, caramba!

i figueiredo disse...

Então rapazes? acabou-se-vos a prosápia? Carago, isto não é um assunto do nível da Ota ou da OTAN, mas lá que merece ser tornado público, ai disso não tenho quaisquer dúvidas. Não há intocáveis, rapazes. Se fosse a Ana Malhoa a afirmar esta grosseira mentira e barabaridade em tudo o que é boa imprensa francesa, passaria em claro ou impune? E se fosse o Santana, por exemplo? Então, vamos a isso, rapazes!O blá blá não é só para alguns!!

Rui Rebelo disse...

Belo texto do meu (quase pai) Fernando Mora Ramos.

A questão, quanto a mim, está mesmo na riqueza ou na falta dela.
1 por cento de quanto?
Vamos aqui ao lado a Espanha onde tenho andado a trabalhar nos ultimos anos e a diferença é só de riqueza. Há investimento na cultura e logo isso gera frutos, muitos, independentemente da qualidade. Mas gera, investe-se, deixa-se espaço para haver manifestações artísticas independentemente do "grande público"
Por cá contam-se tostões e tenta-se fazer com o pouco que vai havendo. E esse pouco empobrece quase mais que o nada.

O que fazer?
não nos calarmos e irmos buscar o apoio fora de Portugal para poder fazer por cá aquilo que queremos com o que precisamos.

abraço

Carlos A. Augusto disse...

Sejas bem aparecido ó Rui! Não te fazia por aqui :-)!
Ainda te vejo a ocupar a 1a pagina do Diário de Coimbra, feito flautista de Hamelin.
Manda mail para o nosso endereço para eu ficar com o teu contacto e dar-te-ei nota de um sítio onde podes ver mais fotos desse envento.
Abraço para ti!