A decisão unilateral dos dirigentes kosovares em proclamar a independência de uma região que é parte integrante dum país soberano (a Sérvia), foi certamente gratificante para os seus habitantes, mas não resolve o problema de fundo de um estado artificial. Trata-se de uma antiga questão, esquecida com a desintegração do império austro-húngaro e posteriormente abafada na ex-Yugoslávia, uma federação de repúblicas até meados dos anos noventa. Com a morte de Tito e a posterior queda do muro, em finais dos anos oitenta, teve início a desintegração da Yugoslávia que parece não ter ainda terminado. Depois das independências da Eslovénia, Croácia e Macedónia em 1991, da Bósnia e Herzegovina em 1995 e do Montenegro em 2006, sobrou a Sérvia, o último reduto Yugoslavo e, agora, também um país independente.
Acontece que o Kosovo não era uma república, mas uma região (do tamanho do Minho) com uma população maioritariamente muçulmana e albanesa. Paradoxalmente, é no Kosovo que a Sérvia tem as suas raizes, razão pela qual os sérvios não abdicam desta região. Após os bombardeamentos de Belgrado, que levariam à rendição do regime de Milosevic, (acusado de genocídio do povo kosovar) o Conselho de Segurança da ONU, através da resolução 1244, concedeu ao Kosovo uma maior autonomia sem reconhecer a sua independência.
É ao arrepio desta resolução e com o apoio dos EUA e alguns países europeus, entre os quais a Albânia (que tem ambições regionais de expansão) que o Kosovo proclamou hoje a independência. Contra esta decisão está a Russia (com problemas internos semelhantes) e alguns membros da União Europeia. Se a moda pega, porque não o País Basco, a Catalunha, a Córsega ou as regiões minoritárias sérvias, dentro da Bósnia? Uma verdadeira caixa de pandora pode ter-se aberto nos Balcãs, onde o passado nunca foi pacífico. Há quem acredite que a História não se repete, mas a dúvida é pertinente.
5 comentários:
Ódios com mais de 2000 anos que pareciam abafados, depois da tempestade na desintegração da Jugoslávia.
Esta independência é para concretizar um sonho duma nação albanesa.
Mais tarde ou mais cedo haverá esse referendo.
O pior é que a essência dos sérvios, que são só 10% da população, (do Kosovo) está no "novo país"
Mas o separatismo na região não vai ficar por aqui.
Penso que um país irá desintegrar-se em três ...
Que não seja o começo duma espiral de nacionalismos ...
Meus amigos, quer se goste ou não, a independência do Kosovo é tão INEVITÁVEL como o fim do Apartheid. Como o fim da Guerra Colonial em Angola, como a devolução de Goa, Damão e Diu à Índia… e Macau aos chineses, ora digam lá que não é assim?
Isto é apenas uma muita curta síntese de uma grande polémica sobre este tema no Fiel Inimigo...
Não sei se é tão inevitável, assim. Talvez sim, talvez não...o futuro o dirá.
A verdade é que a História não começou ontem e, ninguém nos Balcãs está inocente. José Cutileiro, experimentado diplomata e negociador da UE durante o conflito Yugoslavo nos anos noventa, escreveu já inúmeras vezes sobre o tema e aponta o dedo a todos os implicados: os sérvios/ortodoxos, os mais diabolizados pela imprensa ocidental; os croatas/católicos, que apoiaram os nazis na guerra e por isso foram por estes recompensados aquando da declaração da independência unilateral; os bósnios/muçulmanos que, nas regiões onde têm a maioria, aniquilaram os sérvios da mesma forma que tinham sido perseguidos por aqueles, etc...etc...Todas as partes/povos/religiões foram, por sua vez, peões no tabuleiro dos interesses maiores das grandes potência (EUS/URSS) que, perante a impotência europeia, dividiram para reinar.
À medida que vão sendo conhecidos os números dos massacres, começa a perceber-se melhor a dimensão do drama e dos genocídios que TODOS cometeram.
Chegados aqui, há a questão do território. Como dividir (criar) regiões sanitariamente "impolutas", onde há meia dúzia de anos, ainda, as populações conviviam e casavam entre si, sem qualquer problema?
O argumento de: "população maioritária" = a independência, não colhe, pois esse não pode ser o critério principal. Os estados-nações, para o bem e para o mal, foram sendo criados a partir de identidades especifícas (língua, cultura, governo, administração central, etc...). Todos sabemos como muitas fronteiras desenhadas, após e entre as duas guerras. Não só na Europa, de resto...e então? Não é por isso que qualquer "tribo" que tenha uma língua/dialecto ou religião própria tem direito a um país! Porque não os "sioux" nos EUA? Ou as minorias sérvias nos territórios bósnios, para citar apenas dois exemplos (muitos mais haveria).
Se o Kosovo esteve (relativamente) estável desde 1999 foi porque as forças da KFOR lá estiveram estes anos todos. Se estas saírem, os kosovares fazem aos sérvios (uma minoria da população) o mesmo que estes fizeram na Bósnia, onde, de resto, também estão tropas internacionais em permanência. No dia em que sairem de lá as tropas volta tudo ao mesmo: pancadaria da grossa!
Seria muito mais lógico (digo eu que não sou parte directa interessada) que a Sérvia conseguisse um acordo com a UE, onde o território kosovar tivesse um estatuto especial dentro do país. Este é, de resto, o modelo aceite e implícito no acordo 1244, firmado pelas partes na altura. Uma tentativa de conciliar o interesse de ambos. De outro modo, todas as populações minoritárias vão exigir a sua "independência" (o que é um disparate total), para além de não terem viabilidade económica alguma, a menos que a UE, através de subsídios "ad eternum" e a ONU, com tropas permanentes, garantam a estabilidade nesses territórios. Este é um cenário impossível de garantir a longo prazo.
Também creio que não podemos usar o critério de "inevitabilidade" para situações tão opostas como o apartheid ou o fim da guerra colonial, por um lado, e o Kosovo, por outro. De resto, concordo totalmente com o Rui quando chamou "Caixa de Pandora" ao seu post. Foi de facto uma caixa de pandora que ali se destapou.
O Putin já vai dizendo que este acto criou “um precedente horrível que se vai virar contra os ocidentais."
Como classificaria a SEDES uma situação destas...?
Já agora aqui está um artigo de Jean-Arnault DÉRENS do Monde Diplomatique sobre o assunto.
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