2009/08/09

Histórias de Guerra

As minhas primeiras recordações de Solnado datam dos anos cinquenta, era eu ainda um jovem adolescente.
Lembro-me vagamente do seu nome nos cartazes do Parque Mayer e, já em finais da década, da sua interpretação no filme "O Tarzan do 5º esquerdo", exibido no antigo cinema Condes. O filme foi um êxito de bilheteira e a crítica viu nele um dos primeiros exemplos do cinema "neo-realista" português. Mais do que a história, lembro-me da personagem principal, interpretada pelo Raul, que "levava" o filme aos ombros.
Anos mais tarde, através da "Guerra de 1908", que viria a tornar-se um clássico da rádio, o seu nome tornou-se indissociável de uma época atravessada por uma guerra - essa sim, real - que o regime impunha em África.
Lisboa era, à época, uma cidade taciturna e cinzenta, onde os homens vestiam fatos às riscas e usavam chapéus de feltro e as mulheres sózinhas não eram bem vistas nos cafés. Nas tertúlias do Martinho e do Monte Carlo, discutiam-se as escolhas de uma geração: fazer a guerra ou desertar, o que implicava na maior parte dos casos um exílio incerto. Dado que optei pela segunda alternativa, vi-me impedido de regressar ao país durante oito largos anos. O Portugal Salazarista tornou-se uma recordação cada vez mais distante, que gravações como as de Solnado contribuiam para amenizar. No fundo, as "guerras", a dele e a do regime, eram um absurdo.
Dos seus êxitos, em programas como o "Zip-Zip" ou, mais tarde, "A Cornélia", só soube por relatos indirectos e, no cinema, lembro-me da sua interpretação no filme "Balada da Praia dos Cães", que vi em finais da década de oitenta no Festival de Cinema de Roterdão.
Num dia atravessado por memórias, eu, que nunca o conheci, relembro um tempo de angústia e frustação, onde uma das poucas coisas que o regime não podia proibir, era rir. Graças ao Solnado, ri-me a bandeiras despregadas. Antes e depois da liberdade. Sem o saber, ele foi dos que mais contribuiu para a minha sanidade mental. Não é coisa pouca.

1 comentário:

Maria Ribeiro disse...

É isso mesmo, RUI MOTA!Como os textos de GIL VICENTE, a "guerra" de Solnado é intemporal. Basta ver , com uma pinça, a sociedade e os actores desta campanha eleitoral, isto para não falar da justiça, do clero e da "nobreza" que por aí campeiam!
Abraço de lusibero