2010/07/24

O cestinho

Portugal atravessa hoje uma crise que todos somos obrigados a reconhecer. Muitos atribuem a origem dessa crise, não a aspectos conjunturais resultantes de problemas financeiros originados por um qualquer desacerto de gestão, doméstico ou ocorrido alhures, mas a aspectos estruturais, a uma crise, sim, mas de identidade e de rumo do país. Têm razão.
O país está como aquelas criaturas que vemos por aí vivendo ao sabor das circunstâncias, sem desígnio, virando-se para onde "estiver a dar".
Todos nós conhecemos certamente muita gente com projecto de vida, muita gente determinada e lutadora, muita gente que vive vida própria, independente, mas o país, esta entidade colectiva, não tem direcção, nem independência.
Não é a crise do subprime ou o problema da dívida soberana que nos corrói. É, de facto, a total falta de rumo colectivo. Todos os outros problemas vêm daí.  
Não me perguntem a mim o que fazer porque eu sou só compositor... Mas, perguntem aos imbecis que nos dirigem, aos que detêm o poder e aos que vigiam o exercício desse poder, o que raio andam eles a fazer! 
Deixa-me verdadeiramente entristecido ver que face às imensas dificuldades, ao aprofundamento das desigualdades e à manifesta ausência de soluções competentes, as entidades oficiais e organizações civis se remetam a uma lógica de mão estendida.
A Igreja Católica não encontra melhor solução do que pedir o dízimo aos fiéis, neste caso, a solução ridícula do tal fundo para acudir aos "mais necessitados". É claro que a Igreja tem sempre esta solução fácil de fazer passar o cestinho para a malta lá deitar umas moedas. Não se interroga sobre a origem dessas moedas, nem dá na sua doutrina valor ao modo como foram ganhas. O dinheiro, para a Igreja Católica, cai literalmente do céu. Como, enquanto instituição, não cria riqueza, a solução que encontra para quando a massa começa a faltar é passar o cestinho. 
Não me espanta, pois, (embora me choque...) o apelo do bispo Carlos Azevedo. Mas, espanta-me e choca-me o apelo do Ministro das Finanças às agências de rating para que tenham em conta os resultados dos stress tests à banca portuguesa nas suas avaliações futuras. Apelo compungido, sente-se-lhe mesmo a genuflexão. Para quê? Para podermos continuar a pedir dinheiro, mas este sair mais barato. A variante laica do cestinho dos católicos. Espanta-me que o ministro português faça apelos desta natureza depois de ter desacreditado por palavras a acção dessas agências e choca-me que não faça, enquanto responsável governamental, acompanhar este apelo de uma nota do género "eu digo isto, mas alerto os portugueses para a necessidade que temos de criar mais riqueza para não ter de andar a mendigar no estrangeiro." E envergonha-me não o ouvir anunciar medidas. Devemos gerar a nossa própria riqueza, devemos construir juntos um plano para superar os nossos problemas e encontrar os mecanismos para o concretizar. Mas, não ouvimos desde há muito, muito tempo uma palavra sequer sobre nada disto, nem uma ideia e muito menos uma medida para estimular a criação de riqueza.
Não é só a oposição, é o governo também que anda ao sabor dos ventos, sem um desígnio mobilizador. E não é problema de hoje, é coisa antiga, de décadas.
Em suma, nada, nem um projecto sequer.  Limitamo-nos a passar o cestinho quando é preciso, que seguramos com uma mão enquanto com a outra seguramos as calças para não cairem.  
Como é que alguém que tem uma qualquer forma de poder nas mãos consegue verdadeiramente sentir-se com a sua consciência limpa quando se limita a estender o cestinho ou a pedir que o passem? 

2 comentários:

Rui Mota disse...

Não era "A caridadezinha", uma canção do Barata Moura nos idos anos setenta? Nunca mais nos vemos livres destes cromos "caridosos"...
O problema é que a despesa continua a aumentar e sem receita (leia-se produtividade) não há riqueza para distribuir. Neste momento, as únicas formas que o governo tem de arranjar dinheiro, é pedi-lo lá fora, ou aumentar os impostos.
Resultado: mais endividamento e mais pobreza. Não é preciso ser economista para perceber isto.

Carlos A. Augusto disse...

É uma espiral da qual temos de sair. Comprar dinheiro só para aumentar a dita produtividade, e antes de o fazer iria rever a distribuição da riqueza...