2011/01/24

A vitória da mediocridade

Não constituiram propriamente uma surpresa os resultados de ontem. Há muito tempo que as sondagens indicavam Cavaco Silva como o mais provável vencedor destas eleições. O facto de se recandidatar a um lugar que ocupa há cinco anos, a popularidade decorrente da passagem por diversos lugares de estado nos últimos 30 anos e o apoio de toda a direita parlamentar, garantiam-lhe, à partida, uma vitória fácil. Se juntarmos a estes dados, o facto de não haver uma candidatura alternativa forte que pudesse congregar toda a oposição, melhor se percebem as razões da sua reeleição. E, no entanto... nem tudo foram rosas para o presidente.
Desde logo, o facto de lutar contra cinco candidatos que, desde o início, o elegeram como principal inimigo. Depois, as suas, nunca bem explicadas, ligações ao "clan" do BPN e o favorecimento daí resultante, na compra das acções pessoais, por um preço estabelecido pelo presidente do banco falido. Finalmente, a questão da troca da propriedade no Algarve, numa urbanização onde, mais uma vez, vivem alguns dos sinistros personagens do BPN, só veio adensar as suspeitas. Junte-se a isto, a sua reconhecida incapacidade de comunicar, refugiando-se em respostas evasivas, sempre que era posto perante perguntas incómodas, acabou com o mito. Ou seja, pela primeira vez, o presidente em exercício foi escrutinado de uma forma a que não estava habituado e não soube lidar com a pressão. É verdade que ganhou, ainda que com menos meio milhão de votos relativamente a 2006 e num cenário recorde de abstenção e votos em branco, factores que não devem ser desvalorizados. Numa situação de crise social e económica profunda e sem alternativas à esquerda, os eleitores apostaram na "continuidade", segundo a velha máxima, "para pior já basta assim".
Cavaco ganhou, é certo, mas a sua imagem de homem "impoluto" e "acima de qualquer suspeita" nunca mais será a mesma. Ele sabe isso e os seus discursos ressabiados na noite de ontem confirmaram-no. Dificilmente poderá falhar, agora que foram reveladas informações que o comprometem para o futuro.
Sobre os outros candidatos, pouco há a dizer. Alegre foi sempre um candidato sem crença e os apoios envergonhados do seu partido apenas confirmaram uma derrota previamente anunciada. Nobre, apesar do discurso populista que chegou a raiar o patético em algumas situações, acabou por beneficiar da desilusão alegrista e do sentimento anti-partidos existente na população, conseguindo o melhor resultado relativamente ás expectativas com que começou. Francisco Lopes foi igual a si mesmo e segurou o eleitorado comunista, único objectivo da sua candidatura, enquanto os restantes dois candidatos - José Manuel Coelho e Defensor de Moura - foram essencialmente representantes regionalistas que nunca conseguiram ultrapassar a sua condição de "outsiders".
Uma última palavra sobre o problema técnico-informativo verificado nas mesas de votos, demasiado grave para passar em claro. Em condições normais, num país normal, tal anomalia faria rolar cabeças. Que o principal responsável do CNE viesse alegremente declarar, perante as câmaras de televisão, que as informações estavam disponíveis na NET e que bastava enviar um SMS para aceder à informação, é de uma cretinice a toda a prova. A maioria da população portuguesa não dispõe de computador pessoal e muitos daqueles que possuem um telemóvel têm dificuldade em usar os SMS. Resta acrescentar que muitos dos votantes são pessoas idosas e desistiram de votar quando compreenderam que tinham de deslocar-se a Juntas de Freguesia localizadas em bairros diferentes. Aparentemente, a forma mais fácil teria sido enviar uma carta a todos os recenseados com as necessárias informações. A operação custaria cerca de 1 milhão de euros. Foi este argumento economicista e mesquinho que impossibilitou centenas de pessoas de votar. Com tal sobranceria, não é de admirar que os cidadãos não se revejam neste estado. Também, por esta razão, estas foram eleições medíocres.

3 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Na minha opinião, Mário Soares foi o outro grande perdedor da noite. O candidato soarista não conseguiu cumprir o papel para que foi criado. Foi habilmente convencido de que tinha perfil para se candidatar a um cargo destes e, não fosse de facto a lamentável prestação de Alegre, creio que não teria melhor resultado que Coelho.
Uma outra nota: apesar de "segurar" o eleitorado comunista, Lopes perdeu votos em relação a Jerónimo, o que não deve deixar igualmente de ter consequências.
Resta perceber o mistério das falhas técnicas desta eleição. Talvez o Poirot...

Rui Mota disse...

Sim, Soares - o ressabiado da esquerda - nunca perdou a Alegre a derrota em 2006 e procurou desforrar-se através de Nobre. Uma tristeza, estes egos políticos, sem grandeza para assumirem uma posição condigna com o seu passado. Já o candidato do PCP, o mais que pode ter perdido é o seu lugar de sucessor de Jerónimo. Mas, isso não deve preocupar grandemente um partido onde o colectivo sempre foi mais importante que as individualidades.
O problema da informação é mais uma
prova de que o deslumbramento tecnológico não disfarça a má utilização do sistema. O mais grave para mim é o desprezo com que os cidadãos são tratados neste país.

moz disse...

O que eu gostava de saber é qual a faixa etária maioritária que foi prejudicada com a inoperância do cartão do cidadão neste domínio eleitoral; os mais idosos ainda tem um BI vitalício e muitos serão conservadores no voto. Se a maioria dos novos cartões são de gente mais nova, que não será tão cavaquista quanto isso, fico a pensar se a "avaria" e/ou a inadequada largura de banda do sistema foram tão fortuitos assim.