É uma notícia de ontem. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) condenou, em última instância, uma família a pagar à CP 10 000 euros por um acidente ocorrido com um seu familiar em 1991 (!).
Troquemos isto por miúdos. Um homem manobrava uma escavadora que transportava uma pesada pá junto a uma linha de caminho de ferro na zona da Azambuja. A pá caiu na linha, enquanto o comboio se aproximava e o homem tentou libertar a linha e evitar um acidente grave. Conseguiu fazê-lo mas perdeu a vida neste "acto heróico" que podia ter tido "consequências terríveis", segundo o acórdão do STJ. A CP, indiferente à heroicidade, que evitou certamente consequências bem mais gravosas para si, move uma acção à família pelos prejuízos que, alegadamente, o acidente provocou.
Há uma quantas perguntas que me surgem no espírito.
Primeiramente, não sei quais são as condições financeiras desta família, mas pergunto-me o que leva uma empresa como a CP, uma E.P.E. que vive da caridade pública e acumula prejuízos de gestão verdadeiramente inacreditáveis, a virar-se assim contra esta família? Que significado financeiro teve e tem esta decisão?
Em segundo lugar, há algo que me deixa verdadeiramente perplexo. Independentemente de no plano meramente técnico a sentença poder ser correcta, haverá justiça na condenação de uma família por um acto cometido por um seu membro, que, por acaso, até perdeu a vida nesse acto e evitou com isso uma tragédia maior, conforme reconhece o próprio STJ? Não tiveram castigo suficiente? Não haverá clemência, direito a "perdão"? Não deveria a sociedade reconhecer o exemplo, a dádiva e reparar a perda, em vez de condenar implicitamente o acto? A Justiça leva vinte anos para decidir isto?
O que está o STJ a dizer aos cidadãos com esta sentença?
Finalmente, estamos manifestamente perante um caso de aplicação da dura lex. Se e quando a CP prevaricar, vamos ter uma aplicação equivalente desta dura lex? Ou o peso corporativo fará desequilibrar o prato da balança?
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