Um dia destes, confrontei-me com uma linha no extracto bancário que me mandaram, que, na singeleza de duas abreviaturas, traduzia um roubo: «desp man», assim rezava. E debitava-me 15 euros e tal.
Lá fui eu ao banco, aonde já há anos (desde que me permitiram acesso pela Internet) não me deslocava. Ah, e tal, que a minha conta tinha um saldo mensal médio de pouco mais de mil euros, logo inferior a 2500, que aquilo correspondia a despesas de manutenção, porque eles mandavam-me o extracto todos os meses, e assim. «Pois podem deixar de mandar, que eu não preciso disso para nada, pois movimento tudo pela net, como devem saber, pois há anos que não me põem a vista em cima.» E , falando grosso: «Só há duas hipóteses: ou me voltam a creditar o dinheiro que me debitaram ou, em vez de mil euros por mês, passam a ter zero euros, porque mudo para outro banco.» Se não se tinham impressionado com a minha vintena de anos «de casa», sempre sem lhes criar problemas, menos se impressionaram como a minha ameaça. «Faça como achar melhor, mas olhe que nós praticamos das taxas mais baixas do mercado, e nos outros bancos não irá decerto pagar menos.» Saí furioso, mas depressa constatei que eles tinham razão: nos outros bancos que abordei, também se praticava a taxa de «manutenção» e o preço era o mesmo; variavam outras condições (como a cobrança ou não de taxa por transferências, por exemplo), mas dos 15 eróis não me safava.
Nunca mais apareci no banco, mas aqui envergonhadamente confesso a humilhação de não ter cumprido a minha ameaça; ia ter de me chatear com burocracias e, como vêem, não ganhava nada com isso.
Segundo a minha leitura, o que se passa é que ao emprestar o seu dinheiro aos bancos, as pessoas se comprometem a uma destas duas alternativas: ou mantêm o tal saldo superior a 2500 euros, ou lerpam em 15 euros e tal por trimestre. Isto é contra a própria lógica do sistema: ainda não há muito tempo, lembro-me bem, os depósitos à ordem eram remunerados a uma taxa que variava de banco para banco, exactamente por efeito da concorrência, como forma de aliciamento dos clientes.
Emprestar-se dinheiro a uma instituição e esta fazer o emprestador pagar por isso não é a única aberração deste processo. Repare-se que quem paga não são todos: só os mais necessitados, os que têm saldo inferior a um certo montante. Poder-se-ia dizer que só põe o dinheiro no banco quem quer; mas o problema é, como o Carlos já referiu neste blogue, o de «certos pensionistas, que se vêem obrigados a receber as suas magríssimas pensões através de conta bancária». Não é só o problema destes, mas de todos os que, como eu, fazem alguns recebimentos por transferência bancária. Isto é, toda a gente integrada na vida social normal é, hoje em dia, obrigada a ter conta bancária aberta.
Em resumo, dado que quem paga são os mais pobres, assistimos a um fenómeno de duvidosa constitucionalidade, para não falar de grosseira imoralidade, que consiste em lançar um imposto sobre os mais desfavorecidos. Em proveito do Estado? Não, em favor da banca.
A isto acresce o que atrás se insinua: será por acaso que a taxa é igual em todos os bancos, não havendo possibilidade de escolha por parte do consumidor? O que mais será preciso para o Banco de Portugal investigar se se trata de uma atitude de cartel? Será isto constitucional?
O que mais me dói é que estamos de tal modo anestesiados nas nossas capacidades de cidadania que nos resignamos, nos curvamos, sem protestar, ante um facto a todos os títulos aberrante.
4 comentários:
O problema, caro Henrique, é que há pouca cidadania. Ou seja, há pouca formação cívica. Ou seja, há pouca cultura democrática. Ou seja, há muita ignorância. Mas, também isso é relativo. Se for para discutir as opções do Jesus para o plantel do Benfica, toda a gente debita opiniões e escreve cartas inflamadas. Ou seja, toda a gente está informada e discute as opiniões. Ou seja, toda a gente tem opinião. Sobre coisas que não interessam para nada. Portanto, o conhecimento é selectivo e é o reflexo daquilo que "somos". Uns ignorantes. Por isso, os bancos, fazem "gato sapato" dos seus clientes pobres (porque aos ricos emprestam eles dinheiro a taxas
favoráveis).
Crime não é assaltar um banco, crime é fundar um.
Raul: não há nada como agitar... Recomendo-te escrever para o Provedor de Justiça. Será o canal mais adequado para esse tipo de problema que descreves.
Aqui há tempo tive um pequeno qui pro quo com o sistema Multibanco e fiz isso. Na altura a resposta foi extraordinariamente insatisfatória mas eu fui insistindo e fiz saber isso ao PJ. Demorou _anos_ a resolver o problema, foi mesmo à AR, mas acabou resolvido.
Quero acreditar que agora quando fazes uma transferência através do Multibanco e não te demora vários dias como era antigamente (a massa saía da tua conta de imediato, mas demorava dias e dias a entrar na conta de destino, para "conferência", diziam eles...), isso se deve também um pouco a mim.
Pois é, Raul, tens toda a razão. O pior é que essa parece ser cada vez mais a regra internacional. Aconteceu-me o mesmo na Holanda, onde tenho conta aberta. Se não tiver um mínimo regular na conta, cobram-me cerca de 8 euros por trimestre...uma roubalheira "legal", pois tens de ter conta aberta para as tuas transações e os bancos ganham com os teus depósitos.
Como dizia uma famosa personagem: "crime não é assaltar bancos, Crime é criar bancos".
O que me perturba é perceber, ao certo, o que será a tal manutenção de conta e porque será tão cara? Tento sempre imaginar uma senhora vestida de preto, com uma tiara branca e de espanador de avestruz em riste a limpar o pó ao meu dinheiro. Ao menos assim o preço é minimamente justo.
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