2011/07/07

Quem com ferro mata...

O coro indignado que se manifestou contra o "downgrading" de Portugal por parte da agência Moody's desafina. Só falta vê-los acampados no Rossio...
Não são estas mesmas vozes que vêm há anos insistindo nas virtudes do "mercado" e no carácter sagrado da "iniciativa privada"? Não foram estas vozes que conseguiram contrariar, com inegável sucesso, qualquer outra solução fora desses "mercados"? Pois bem, o "mercado", esse boxeur, manifestou-se, a "iniciativa privada", essa terrorista, tomou o território que para ela foi preparado por estes mesmos que agora manifestam a sua indignação... Fosse genuina a indignação e não fosse dar-se o caso de termos de ser nós a pagar tudo isto, só lhes poderia dizer: é bem feita!
A agência Moody's, por seu lado, exclui Portugal, como já tinha feito com a Grécia, do clube do consumo. O que é bom, porque foi o consumo que justamente levou o país ao estado em que está. Se calhar, a atitude da Moody's é, nesta perspectiva, boa. E se os critérios usados nas classificações da Moody's e das outras agências são objectivos, ao restringir o consumo dos países-lixo, estão a contribuir para  restringir inexoravelmente o mercado dos países por ela bem classificados e a lançá-los num futuro incerto, o que ainda é melhor. Os caminhos da Moody's são insondáveis, mas promissores...
A nós portugueses, contudo, o que verdadeiramente interessa esclarecer é uma outra dúvida. Se, como a Moody's afirmou hoje, e ao contrário do que sugeriu o novo ministro das finanças, o novo imposto já foi tido em linha de conta na atribuição desta classificação, se mesmo assim esta medida não consegue contrariar o score, e essa agência continua a considerar que Portugal não tem capacidade para cumprir os seus compromissos financeiros, o buraco deve ser afinal maior do que se imagina. E, se assim é, que outro sinal se pode dar aos mercados que não seja o do empenhamento total numa profunda reforma da nossa capacidade produtiva?
Onde estão as medidas para proceder a essa reforma? Digam-me uma, para além daquelas declarações pífias sobre o valor do mar ou dos "produtos de valor acrescentado" que ninguém ainda percebeu o que é! Que outro desígnio, que valor mais forte do que o exercício da capacidade de trabalho e da criatividade poderia aliás contar com um empenhamento verdadeiro dos portugueses? Quem é que deseja pagar mais impostos ou ver o seus rendimentos cortados, sem critério e com a certeza de que todo o seu sacrifício não servirá para nada?
Os "mercados", pelos vistos, não acreditam que simples medidas de contenção da despesa sejam suficientes. É isto: os portugueses preparam-se para deitar para o lixo 800 milhões de euros.  A Igreja Católica acha bem, mas eu deixo a pergunta: para que vai, de facto, servir então este corte no subsídio do Natal?
Mais importante ainda: independentemente de podermos considerar as agências de rating grupos mais ou menos criminosos, envolvidos em jogos de interesses mais ou menos sujos, a verdade é que, tudo o leva a crer, a situação em que estamos metidos é ainda mais negra do que aquilo que se suspeita. Precisamos de conhecer a dimensão rigorosa do estrago das nossas contas, independentemente da correcção que vier a ser feita e do apuramento das responsabilidades na sua génese, e precisamos de sabê-lo directa e claramente da boca dos nossos dirigentes eleitos, com um programa de acção pronto, para inverter este estado de coisas. Não precisamos de ficar a saber tudo isto como resultado da acção indirecta de organismos que não elegemos.
O coro dos indignados soa-me neste contexto como uma coisa altamente suspeita...

9 comentários:

Rui Mota disse...

A boa notícia é o presidente do Banco Central Europeu ter anunciado que vai dispensar a opinião das agências de rating sobre a dívida portuguesa...
Será a influência do Constâncio?

Carlos A. Augusto disse...

Boa notícia seria deixarmos de ter reacções pueris e dilatórias sobre tudo isto. Portugal precisa de mudar de rumo. Não há volta a dar ao assunto. A Moody's tem razão: como as coisas estão não teremos capacidade de pagar as dívidas.
Os Portugueses precisam de se juntar e reinventar o País. O resto é conversa.
E é necessário, pelo caminho, vermo-nos livres dos crónicos inimputáveis.

MariahR disse...

Concordo absolutamente com esta sua análise, simples e directa.
Já não sei se acredito que, nós portugueses, consigamos agir assim... simples e directamente. Afinal temos um problema de acção com tudo o que vá para além das reacções "pueris e dilatórias" e, acrescento eu, de rápido consumo.

Carlos A. Augusto disse...

Agradeço o seu comentário. Depois de reler o post fiquei na dúvida se tinha sido simples e directo... Sabe, eu tenho mesmo alguma fé que os portugueses podem dar a volta ao texto. E porquê? Porque há imensa gente a viver em condições absurdas. Uma mulher dizia numa reportagem, que vi aqui há dias, que tem um plasma em casa, não tem é comida. As notícias de hoje davam conta de um aumento de 40% no número de famílias que recorre à Deco por causa das dívidas. Hoje também se referia num noticiário que temos cerca de quatro pequenas empresas de comércio a abrir falência por dia; e a tendência é para aumentar...
Ou isto é tudo tanga (eu conheço gente em grandes dificuldades, mas não conheço pessoalmente ninguém nestas condições de falência, de fome, etc, o que sei é pelos jornais) ou então o país, a actividade económica, arrisca-se simplesmente a parar dentro de muito pouco tempo.
Portanto, a ser verdade que estamos tão mal (!) não resta outra saída que não seja reagir. Principalmente nas cidades, onde não há hortas para cultivar umas batatas e umas cebolas.
Daí um certo optimismo... A crise é boa! A Moody's é uma benção!

Rui Mota disse...

Sim, vamos todos emagrecer...quem não quer ser magro?
O problema não é a crise; o problema é não haver crescimento económico. Sem crescimento, não há horizonte de recuperação e sem horizonte não há esperança. Se não houver uma estratégia comum europeia para ajudar os países periféricos, não há alternativa para Portugal. Ou melhor, há: a bancarrota e a saída do Euro.

MariahR disse...

Carlos
Agradeço o seu comentário ao meu :)
Pois, o momento exige uma resposta a uma só voz dos portugueses, com hortas e sem hortas. Pode ser que quando as dificuldades efectivamente sejam sentidas dentro de cada porta (não na porta do vizinho), a malta dê um berro.
Pode ser. Desejamos que assim seja. Porém, o português é muito individualista, exímio no "desenrrascanço", pouco habilitado para a análise e crítica (sem culpa disso).
Bom, faço minhas as palavras do Rui Mota. Estamos agora reféns de uma União Europeia que se afasta em passadas gigantescas da sua filosofia inicial.
Acrescento, para terminar, que continuo sem ver actualmente no poder, homens capazes de repensar Portugal. Vejo os mesmos. Talvez vestidos com fatos outros, quase todos não "made in Portugal" e isto pode ser mais um problema.
Mas, sim Carlos, o sonho comanda a vida. E, muitas vezes, vira realidade.
Também quero!

MariahR disse...

Ahhh... um BOM Domingo para Si, Carlos! :)

Carlos A. Augusto disse...

Vamos certamente ter oportunidade de continuar a "debater" este e outros assuntos aqui. Um óptimo domingo também para si! :-)

Carlos A. Augusto disse...

"Arzila de Noite". Portugal 2011, por Fernando Alves da TSF. Em nome dos Mercados, da Moddy's e do Espírito Santo...