2011/11/27

Fado, Património Cultural Imaterial

É oficial: o Fado foi hoje reconhecido Património Cultural Imaterial pela UNESCO.
O reconhecimento de um género musical que só os portugueses fazem bem - e por isso é parte da identidade nacional - é um justo prémio para a equipa que, durante anos, trabalhou nesta candidatura, não esquecendo os seus principais divulgadores (cantores, instrumentistas, letristas e editores), sem os quais a transmissão da tradição não seria possível. É esta tradição, com cerca de 200 anos, que hoje foi reconhecida na Indonésia. Não que o Fado necessitasse do reconhecimento da UNESCO para ser Património Cultural Imaterial. Já o era e continuará a sê-lo por muitos e bons anos. Mas, o reconhecimento dará mais visibilidade a uma arte, durante muito tempo considerada menor, que hoje tem milhões de adeptos em todo o Mundo. O trabalho de recolha, classificação e divulgação do Fado, iniciado há cinco anos atrás, continuará: agora com mais responsabilidade, mas também com mais certezas. É isto que se espera deste reconhecimento.

5 comentários:

Fusível Ativo disse...

Ainda não percebi bem a grande euforia à volta deste reconhecimento, porque não percebo o que pode trazer de mais-valia ao fado. Posso ser só eu, por isso podem-me explicar à vontade.

Rui Mota disse...

O "reconhecimento" da UNESCO tem um valor muito relativo. Em rigor, o que um organismo como a UNESCO devia proteger (e fá-lo) são as culturas ou expressões culturais em perigo. O que não é, manifestamente, o caso do fado que está a atravessar um momento de grande vitalidade e não corre perigo de extinção...
Outra coisa é o trabalho (imenso) realizado ao longo dos últimos anos, por força desta candidatura. Ou seja, para poder candidatar o Fado à lista do Património intangível, Portugal teve de preencher uma série de requisitos sem os quais esta candidatura não tinha sido, sequer, possível. Basta lembrar, a título de exemplo, a compra de colecções privadas (mais de 8000 discos), muitos deles inéditos que, depois de classificados e digitalizados, passarão a estar à disposição de investigadores e do público em geral; a publicação de livros e estudos inéditos sobre o tema; a edição de colectâneas discográficas e gravações inéditas; os filmes, as séries televisivas; os estudos académicos, os congressos internacionais, enfim a lista é imensa. Publicou-se mais sobre o Fado em dez anos do que em todo o século XX!
É este trabalho de bastidores que fica e, mais do que o "reconhecimento", representa o verdadeiro património.
O "reconhecimento" da Unesco, significa ainda mais visibilidade para o fado, logo mais contratos e oportunidades para os intérpretes autores e editoras. Haverá mais apoios institucionais e patrocínios para investigação, ensino e divulgação. Pelo menos, são esses os critérios "contractuais" a que Portugal está obrigado. Só por isso, valeu a pena a candidatura. O trabalho de base está feito, mas não termina aqui. Agora há mais responsabilidade e, por isso, haverá mais disponibilidade para apoiar uma expressão popular que (goste-se ou não) é parte integrante da cultura portuguesa.

Fusível Ativo disse...

Fico agradecida pelo esclarecimento.

No entanto, devia ser mais divulgado, ou seja, houve tanto alvoroço em torno de um reconhecimento quando o que ganhámos na realidade foi muito mais do que isso.

Carlos A. Augusto disse...

Já agora, deixem-me acrescentar aqui umas ideias mais. Em primeiro lugar, agora que o fado vai ser certamente mais cantado em japonês, inglês e coreano (mais do que já é agora!) a nossa própria tradição deveria merecer-nos, a nós que somos os seus originadores, muito mais atenção. Por outras palavras, deveríamos assumir mais a nossa "fadistice" porque ela é genuína. Ela é _a_ genuína! E foi a que deu origem a todo este movimento. É um pouco como, apesar de haver "metros" à venda por todo o lado, se continua a preservar a barra de platina-iridiada do "Bureau international des poids et mesures". Aquele é o original. Os outros, apesar de medirem 1m são cópias e hão-de ser sempre cópias.
Em segundo lugar, há modificações que se produzem pelo facto de haver uma classificação deste género e nem todas são positivas. Um amigo meu lembrava o que aconteceu em Évora, por exemplo, depois da classificação da Unesco e nem tudo foram rosas. Em relação ao fado não espero que tudo sejam também rosas. Vão surgir "metros" só com 90 cm, outros com 95 cm e vão ser passados como "metro" original coisas que nos vão chocar. Neste caso depende de como as coisas correrem no que respeita à primeira observação que fiz. Se nós próprios perdermos a nossa identidade e a deixarmos conspurcar pelas cópias lá se vai o padrão.
Pode não ser mau esse processo de "crioulização", pode ser que o fado crioulo seja até mais interessante que o fado do qual provém, mas também pode levar ao enterro inevitável e definitivo deste fado que a Unesco agora pretendeu distinguir.

Rui Mota disse...

A classificação é uma arma de dois gumes. Por um lado, pretende-se classificar um património intangível (tradição oral) que está em contínua mutação; por outro, sem a classificação, não haveria reconhecimento.
Tanto quanto consegui perceber das leituras que fiz no "site" da Unesco, a candidatura incluia o preenchimento de um extenso formulário, onde o país candidato teria de produzir prova do objecto a "preservar". Nem todo o Fado foi classificado, ainda que a declaração da UNESCO seja abrangente. A Comissão científica portuguesa que coordenou os trabalhos, reduziu o "sample" da amostra às três formas clássicas de Fado (Menor, Mouraria e Corrido) sobre as quais são cantados os chamados fados tradicionais ou clássicos (também chamados de "fado-fado"). São cerca de 150.
O chamado "fado canção" ficou de fora e percebe-se porquê: enquanto no fado clássico a estrutura do ritmo é pré-estabelecida e é fácil determinar se a canção é um fado a partir da estrutura poética (décimas, etc.), sendo a melodia criada pelo fadista (improviso); no "fado canção", as melodias estão escritas em pautas, o que deixa menos espaço para o improviso do cantor.
Claro que isto não vai evitar a discussão no futuro, quando aparecerem novas canções que uns considerarão "fado" e outros não. O que de resto já hoje acontece entre os chamados fundamentalistas e inovadores.
Por isso, e volto ao princípio, não devemos valorizar demasiado o critério da UNESCO, mas sim o trabalho de investigação que esta candidatura exigiu e que ficará para o futuro. Só a Cãmara de Lisboa, comprometeu-se a investir 1,5 milhões de euros na investigação, preservação, digitalização, edição, ensino e protocolos com diversos museus e universidades de Lisboa. Espera-se agora que os patrocinadores e "sponsors" (bancos, etc.) apoiem esta iniciativa. É esta, quanto a mim, a grande vitória desta candidatura. Finalmente, o Fado nas suas variadas formas (musicais, históricas, sociológicas e antropológicas) pode ser estudado em escolas ou conservatórios. Como acontece com o Flamenco aliás, que tem uma cátedra de flamencologia em Jerez de la Frontera, para além de dezenas de escolas de guitarra, baile e "peñas" flamencas em toda a Espanha. E isso é bom.