2011/11/28

A quem serve o medo?

Querem ver como se constrói um clima de irresponsabilidade para minimizar os efeitos da incompetência do governo e do mais que certo fracasso da sua política?
O método baseia-se na criação do fantasma da sublevação popular e mete "terroristas", serviços de informação, polícias e agentes infiltrados. Faz lembrar a célebre "revolta dos pregos" que Angelo Correia, o mentor e tutor político do primeiro ministro, inventou há anos. Haverá, pois, aqui hoje também, dedo de Angelo pela certa.
Para além de Angelo, a manobra tem também contado com o contributo de gente tão insuspeita como Mário Soares, vários membros da hierarquia da Igreja Católica e outras figurinhas, jornalistas, analistas, politólogos e outros "peritos" mais ou menos patéticos. Todos vêem sangue no horizonte. Junta-se-lhes o Ministro da Defesa que vem a jogo pronunciar-se sobre a "ilegitimidade" de manifestações legítimas, só porque estaríamos perante a "legitimidade" de um "programa" que, segundo ele, foi sufragado pelo voto. Para ajudar à festa até Carvalho da Silva, de quem não se esperaria tamanha ingenuidade, vem lançar alertas que devem ter soado como música aos ouvidos do governo. No dia da greve, demarcava-se correctamente, por um lado, dos ainda não totalmente explicados incidentes em S. Bento, afiançando, contudo, que eles constituíam sinais da insatisfação que por aí vai. Uma conversa, no mínimo, politicamente canhestra. Duvido que os provocadores colocados pela polícia no meio da manifestação de dia 24 estivessem a pensar na insatisfação do povo que lhes paga o salário.
Até Fernando Santos, o engenheiro do penta e especialista na difícil arte do biqueiro, logo que lhe colocaram um microfone à frente apressou-se a dizer, lá de longe e do alto da sua respeitável e reconhecida expertise em teoria política, que Portugal não tem a tradição "anarquista" da Grécia, mas os desacatos do dia da greve constituem sinais "preocupantes" de agitação.
É isto: primeiro, lança-se a ideia (de forma deliberada ou ingénua) de que há sinais preocupantes no ar. Depois, quando ocorre uma legítima, significativa e pacífica greve geral, unindo uma grande massa de espoliados do regime, a polícia intervém de forma totalmente despropositada, provocatória e, sobretudo, ilegítima, levando as pessoas a reagir, naturalmente, perante os atropelos grosseiros da lei, cometidos por aqueles que, num regime democrático, devem ser os primeiros a respeitá-la escrupulosamente. De seguida, meia dúzia de pessoas que não se sabe oficialmente quem foram, de onde vêm, o que representam e por quem foram instigados, exibem durante a manifestação que se seguiu à jornada grevista comportamentos marginais, que de forma alguma representam o espírito dos manifestantes, nem a mensagem que pretendem transmitir de protesto contra as medidas que o governo teima em levar a cabo. Finalmente, com a inestimável colaboração da imprensa, ficamos a saber que desta empolgante "primavera à portuguesa" estão recenseados, por um serviço qualquer de informações, uns, certamente, perigosíssimos 60-anarquistas-60. Aí está a revolta popular! Como é diferente o Tahir em Portugal.
Está criado um clima tendente a desmobilizar o protesto legítimo, pelo direito ao qual surgiu o 25 de Abril. De repente, num passe de mágica, a liberdade de opinião transforma-se em delito de opinião. O medo de existir, esse mal português que não despega nem à lei da bala, reinstala-se. A injustiça, a iniquidade, a corrupção e outros traços distintivos da nossa actuação colectiva ganharão tolerância de pronto! Tudo está perdoado, no fundo somos todos uns gajos porreiros.
Mais ainda: toda a leviandade, desonestidade, incompetência e arrogância exibidas pelo governo, todos os seus falhanços, inconsistências, equívocos, toda a sua "moral" de esgoto será perdoada e conquistará intenções de voto. Sacrifícios, quais sacrifícios?
Paulo Baldaia avisava ontem no DN a maioria de idosos deste país que ainda lê jornais: "Desenganem-se os que excluem a hipótese de termos violência na rua, porque isso está em exclusivo na mão dos indignados, entre os quais há muita gente que não tem nada a perder. Os mais radicais já começaram a alimentar essa ideia, vandalizando repartições públicas, colocando na Net um vídeo com alegada violência policial, procurando um efeito viral idêntico ao que se passou noutras partes do mundo. Nessa geração há muito quem não se importe de ter no currículo uma cena de pancadaria com a polícia. Há muito quem acredite que as coisas não mudam pacificamente." Não sei onde Baldaia recolhe a sua informação, não sei onde estava em 62 e em 69, não sei onde estava no 25 de Abril, não sei se alguma vez assistiu a alguma revolução ou a violência a sério, não sei quantos indignados entrevistou, mas o fantasma da agitação nas ruas só serve hoje, objectivamente, para quatro coisas: instituir um clima de medo, manipular a opinião pública, iludir responsabilidades e preparar o perdão à incompetência governativa.

6 comentários:

Rui Mota disse...

O método não é, sequer, novo. Foi experimentado na República de Weimar, quando a sociedade alemã estava confrontava com os efeitos da crise financeira da época. Os resultados são conhecidos...

Carlos A. Augusto disse...

A rapaziada hacker fez um enorme favor a esta causa ao "divulgar" os dados dos tais cento e tal polícias. Se fosse a própria polícia a fazer isto não tinha certamente feito um trabalho melhor...
Viu-se logo aliás a resposta: o director nacional da polícia já veio lembrar que o equipamento novo de que a polícia dispõe é para ser usado. Boa!!

Silvestre Pedrosa disse...

Não sei porque esta gentalha se apoquenta, isto é só fumaça e o povo é sereno, já lá dizia o defunto. Eu que tenho a mania de apostar, aceito apostas em como a malta não se subleva, o tuga é revolucionário de café, gosta é de correr atrás de foguetes. O Sporting/Benfica foi motivo de muito maior preocupação que o assalto ao bolso cometido pelo governo. VIVA PORTUGAL!

Carlos A. Augusto disse...

"O Sporting/Benfica foi motivo de muito maior preocupação que o assalto ao bolso cometido pelo governo"... sem dúvida! E é de facto profundamente triste tudo isto.

Carlos A. Augusto disse...

Retiro o que disse: pelo aparato que rodeia agora as manifestações (como a de hoje frente à AR durante a aprovação do OE) e pelas tácticas utilizadas pelos provocadores (como é que se pode ser tão estúpido, meu Deus!) quem está afinal verdadeiramente em pânico é o governo e a maioria que o suporta.
Só o medo do governo consegue explicar o excepcional tamanho do dispositivo e as complicadas manobras por ele ensaiadas...

Carlos A. Augusto disse...

Sobre o medo...
http://youtu.be/wSnsmM_3xrY