2013/11/23

Nem tudo o que mexe está necessariamente vivo

As manifestações de ontem em Lisboa (Escadarias do Parlamento e Aula Magna da Universidade) podem significar tudo e o seu contrário.
Se é verdade que a situação do pais deixa cada vez menos margem de manobra a uma parte substancial da população, diariamente espoliada de meios mínimos para a sua sobrevivência e, nesse sentido, cada vez mais predisposta a revoltar-se contra este estado de coisas; também não é menos verdade que, salvo raras e circunscritas excepções, nada indica que a sociedade portuguesa esteja num ponto de ebulição tal que a violência futura, anunciada por muitos comentadores e exaltada por Soares, seja, para já, um dado adquirido.
Vejamos a manifestação policial no Parlamento: é verdade que o acto simbólico dos policias a ultrapassarem as barreiras e a subirem as escadas do Parlamento, é um precedente aberto a especulações. Como se comportarão os policias, que guardam o Parlamento, em futuras manifestações naquele local?  Carregarão sobre os manifestantes, como o fizeram em Novembro de 2012, ou recuarão para o cimo da escadaria, como o fizeram ontem, permitindo aos manifestantes que subam as escadas como os polícias? É uma pergunta pertinente, pois do comportamento policial – contra, ou ao lado de futuros manifestantes -  poderemos concluir o que faz mexer a policia: uma reivindicação corporativa ou uma revolta anti-governamental.
O mesmo se pode dizer, relativamente à manifestação de iniciativa de Mário Soares, organizada à mesma hora em que as forças policiais subiam as escadas do Parlamento. Também na Aula Magna, podíamos ver caras mais e menos conhecidas, muitas delas de ex-governantes, maioritariamente do PS, que até há três anos atrás foram governo e que, muito provavelmente, vão voltar a sê-lo muito em breve.
Significará esta concentração de ex-governantes, políticos no activo, figuras de direita e de esquerda e simples cidadãos revoltados, uma nova tendência na oposição portuguesa?  Ainda é cedo para extrair conclusões, mas a experiência dos últimos anos não nos permite sermos optimistas: há um cansaço nítido na sociedade portuguesa, que não se revê na partidocracia reinante e está exaurida pelo regime de austeridade  imposto pelo actual governo. Por isso, as iniciativas da oposição, sejam estas de carácter partidário, sindical ou simples movimentos de cidadãos, parecem ter cada vez menos aderência. Basta ver a percentagem de abstenções nos actos eleitorais mais recentes ou o divisionismo reinante nos diversos movimentos, para constatar o óbvio. Que tenha sido uma figura como Mário Soares a organizar tal encontro, ilustra bem o impasse das esquerdas (todas sem excepção), nesta crítica fase da politica portuguesa.  Aparentemente, a oposição está bloqueada e não parece poder oferecer uma alternativa real de governo o que, de resto, é expresso nas sondagens regularmente feitas. Também a composição da sala da Aula Magna, não augura muito de bom, sabendo nós que muitos daqueles ex-governantes contribuíram (e de que maneira) para o estado a que o pais chegou.
Avizinham-se tempos (ainda) mais difíceis. O governo está isolado e pode cair de podre. Mas, as alternativas (à esquerda) não são de molde a entusiasmar os cidadãos. Nem tudo o que parece mexer está de facto de saúde. Este é o dilema.

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