2014/12/05

Da Transparência

Rodrigo Gatinho/Portugal.gov.pt


O Índice de Percepção de Corrupção 2014, esta semana divulgado pela ONG Transparency International, confirma a mediana classificação de Portugal, apesar de uma ligeira melhoria (dois lugares) relativamente a 2013.
Portugal ocupa, agora, o 31º lugar, numa lista de 175 países avaliados, onde os primeiros 5 lugares são, respectivamente, ocupados pela Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia e Noruega.
No fim da lista, estão, como habitualmente, o Afeganistão (172º), o Sudão (173º), a Somália e a Coreia do Norte (174º).
O índice permite ainda avaliar o nível de corrupção nos países de língua portuguesa, onde Cabo Verde (42º) é, de novo, o mais bem classificado, e Angola e a Guiné-Bissau (161º) os piores da lista.
É isto bom ou mau?
Num ano em que os casos de suspeita de corrupção activa e passiva na sociedade portuguesa foram alvo de noticias quase diárias (BES, Vistos Gold, Duarte Lima, Sócrates, etc.) só é de espantar que a classificação de Portugal tenha melhorado. Não podemos, no entanto, esquecer que o índice é elaborado a partir de dados reunidos no ano transacto, pelo que, em 2015, a classificação poderá bem ser outra.
Também aqui, as opiniões se dividem: os arautos do "politicamente correcto" viram nesta melhoria um sinal do "copo meio-cheio", enquanto os "arautos da desgraça", só vêem "copos meio-vazios".
Acontece que estes índices, com todas as suas limitações, são um misto de relatórios fornecidos pelas delegações nacionais da Transparency International, da análise dos processos judiciais por corrupção e da observação empírica da realidade, pelo que a soma destas três variáveis é determinante para avaliar do nível de transparência em cada país.
Sendo assim, convém relembrar algumas verdades incontornáveis, que permitem aferir da relativa justeza de tais índices. Em primeiro lugar, as razões porque os países mais bem classificados são, normalmente, países escandinavos e/ou anglo-saxónicos: são todos eles, sem excepção, países onde a tradição democrática está mais enraizada, a educação é maior e a orientação religiosa (protestantismo) desenvolveu uma ética de responsabilidade (accountability), meritocracia, rigor, austeridade e cidadania, que exigem maior transparência dos seus cidadãos.
No fundo da lista, os países onde nada disto funciona: são, todos eles, sem excepção, países onde não há democracia (ditaduras ou estados-párias), onde a ignorância é maior e a orientação religiosa (fundamentalista) fomenta o clientelismo, o nepotismo, o suborno e a corrupção. Logo, onde há menos transparência.
No meio da tabela, estão países (como Portugal) que nas últimas décadas têm vindo a sair desta espiral de regimes autoritários e onde a desigualdade, a pobreza e a ignorância, continuam a ser factores impeditivos da construção de sociedades mais justas e equitativas, como é desejável.
Não nos devemos, portanto, admirar que os países onde há maior transparência, são aqueles onde há mais igualdade, mais educação e maior participação, portanto mais democracia. É tão simples como isto e ignorá-lo será sempre fatal.  

12 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Bem observado. Apenas três notas rápidas. Não deixa de surpreender que a Europa virtuosa esteja neste momento a abrir mão destes valores, votando tantas vezes fascista ou revelando-se, no mínimo, toldada por doutrinas neo-liberais. Tudo isto contradiz os seus princípios e valores. Não deixa de surpreender que estes mesmos países deixem implementar doutrinas neo-liberais que atacam ou deixam sem possibilidade de actuação as instituições que nos países onde a corrupção é maior mais activas deveriam ser (veja-se, por exemplo, as recomendações de há dias, de "autoridades europeias", para que Portugal faça mais pelo combate à corrupção, depois de o programa da troika ter destruído sem critério visível, uma parte do aparelho de Estado que tem de lidar com estas matérias...) Não deixa de surpreender que os países mais evoluídos e menos corruptos não se coíbam de manter relações económicas e comerciais com os países mais corruptos do mundo. Os valores da transparência, da igualdade e do acesso à educação são universais e os países mais incorruptíveis têm uma responsabilidade acrescida em tudo isto, não diminuída. Nenhum cidadão escandinavo ou germânico pode dormir descansado enquanto houver corrupção numa qualquer república das bananas. Senão tudo isto cheira a "Laço Branco".

Rui Mota disse...

Existe corrupção em todo o Mundo, não sejamos inocentes. O que também existe são meios maiores ou menores de combatê-la. Ora, a melhor forma de fazê-lo é dar instrumentos às pessoas (cidadãos) para controlarem o sistema. Esse controlo acontece mais onde as instituições são mais transparentes. E onde é que elas são mais transparentes? Onde há maior equidade, justiça social e fiscal. Logo, onde há mais democracia. O facto da Europa ser agora mais neo-liberal (e desigual) tem a ver com uma coisa muito simples, que é a economia ter passado a controlar a política. O que nos levaria a outro discussão, que é a da tendência actual do capitalismo desregulado, onde o sistema financeiro passou a investir na especulação em vez de investir no factor trabalho (produção). Dito de uma forma mais prosaica: a banca passou a controlar os políticos. Mas, mesmo assim, os mecanismos de controlo nos países mais desenvolvidos, continuam a ser maiores e mais eficazes do que nos países menos desenvolvidos (logo mais corruptos).

Carlos A. Augusto disse...

Sim, claro. É um problema de classe. A equidade, justiça social e fiscal, cultura, nunca serão dadas. Só as vítimas da injustiça, da iniquidade, os analfabetos poderão lutar por eles. Acontece que muitas vezes os injustiçados são também criminosos, os letrados são analfabetos. É este o problema. Daí que o Coelho venha dizer que não há esquerda nem direita...

Rui Mota disse...

A direita está sempre a bater nessa tecla: que não há direitas nem esquerdas. O pior é também haver uma "esquerda" que tem o mesmo discurso, nomeadamente a chamada 3ª via do Blair, Schorder, Guterres, Zapatero e quejandos e uma nova 3ª via (Podemos) que não fala em esquerda nem direita, mas em "gente"...

Carmo da Rosa disse...

Rui,

Estás cada vez melhor.... Para seres da corda já só te falta tirares as devidas conclusões acerca da problemática que descreves.

O mesmo não posso dizer do teu amigo Carlos A. a quem gostaria de propor também três notas rápidas:

Uma boa classificação no índice de corrupção nada tem a ver com virtude, princípios e valores, apenas com instituições que funcionam realmente. Os portugueses não são mais corruptos que os holandeses, mas estes têm mais controlo cívico e mais gente que sabe ler, escrever e fazer contas.

Referências a neoliberalismos e fascismos não têm qualquer sentido neste contexto: é tecnicamente possível ser (neo) liberal e corrupto mas também (neo) liberal e honesto, e o mesmo se verifica em relação a fascistas.

Nunca foram necessários atestados de bom comportamento nas relações entre países - uma folha de papel selado com dois carimbos de casas comerciais são exigências de países muito fáááxistas -, apenas interesses económicos e estratégicos, e ainda bem, porque desta forma o cidadão escandinavo ou germânico só se preocupa com a qualidade dos produtos que fabrica, de resto pode dormir descansado. A única preocupação que lhe pode perturbar o sono é a república das bananas não pagar a tempo o que encomendou.

Carlos A. Augusto disse...

Há de facto um problema que referi no comentário anterior: há injustiçados que são simlultaneamente criminosos sociais. Cada vez há, aliás, mais. Era (é) fácil fazer perceber a um operário agrícola no Alentejo as iniquidades de que é vítima. Mas quando o operário agrícola se transforma em bancário em Lisboa a coisa fica mais difícil. É com estes creio, com estes cuja ambição é ter um carro, uma casa e coisas para comprar, que é difícil falar. A partir do momento em que deixaram de passar fome pensaram que já mandavam na banca.
Nenhum partido progressista fez isto bem. A direita-Zorro tem ganho aí pontos atrás de pontos. Falo em Zorro porque tal como o personagem da ficção, esta direita usa uma máscara de justiceiro mas quando toma o poder limita-se a copiar os comportamentos do antigo senhor. Incluindo a 3a, a 4a e as vias todas que ainda vão aparecer.
Só é pena que o exército que anda por aí a apanhar comida dos caixotes do lixo e a dormir debaixo dos viadutos esteja demasiado enfraquecida para lutar...

Carlos A. Augusto disse...

Ó Carmo da Rosa, você tem de rectificar aí o seu goniómetro porque lê as coisa todas de um ângulo esquisito e deturpa tudo o que se escreve. Ou então é como a irmã do Solnado...

Carmo da Rosa disse...

Ó Carlos A. Augusto, pois a mim dá-me a impressão que você escreve assim umas coisas em que mistura factos com impressões e palpitações 'soixante-huitardes', mas passados dois dias já não se lembra muito bem do que disse, ou seja, dito de outra forma, parece-me que a coisa já nem com goniómetro lá vai.

Não foi você que escreveu esta tolice?

"Nenhum cidadão escandinavo ou germânico pode dormir descansado enquanto houver corrupção numa qualquer república das bananas."

É claro que foi.

Então explique lá, em português que se perceba, que relação existe entre o descanso nocturno de cidadãos escandinavos e a corrupção em repúblicas das bananas?

Tenho imensa pena, mas foi também você quem escreveu este outro disparate!

"Não deixa de surpreender que os países mais evoluídos e menos corruptos não se coíbam de manter relações económicas e comerciais com os países mais corruptos do mundo."

Com um goniómetro calibrado você teria imediatamente verificado que o número de surpreendidos é insignificante: apenas você e mais uns cromos de extrema-esquerda que ainda sonham com amanhãs que cantam e Maios de 68.

Se os países evoluídos mantivessem relações económicas apenas com os outros países evoluídos e com o mesmo grau de corrupção, deixavam rapidamente de ser evoluídos e passavam a ser pobres e logo a seguir também subdesenvolvidos. Além disso, se os países pobres e subdesenvolvidos não tivessem relações económicas com os primeiros (porque o Carlos Augusto acha isso muito mau), tornar-se-iam ainda mais pobres, menos evoluídos e mais corruptos. Não fique surpreendido se a União Africana não lhe enviar um cartão de Boas-Festas este ano...

"Há injustiçados que são simultaneamente criminosos sociais. Cada vez há, aliás, mais. Era (é) fácil fazer perceber a um operário agrícola no Alentejo as iniquidades de que é vítima. Mas quando o operário agrícola se transforma em bancário em Lisboa a coisa fica mais difícil. É com estes creio, cuja ambição é ter um carro, uma casa e coisas para comprar, que é difícil falar. A partir do momento em que deixaram de passar fome pensaram que já mandavam na banca.."

Esta é sem dúvida a frase mais interessante do ponto de vista sociológico, mas também humano. Porque é reveladora e sintomática da actual frustração dos Grandes Educadores da classe operária perante o operário que já não lhes dá a atenção que eles julgam merecer...

Vai ser realmente difícil convencer actualmente um bancário em Lisboa das hipotéticas injustiças de que é vítima - mesmo tendo sido noutra vida trabalhador agrícola no Alentejo! Porque agora ele suspeita que esta treta marxisante nada tem a ver com iniquidades e injustiças, mas sim com o facto de o quererem arrastar para uma ditadura onde provavelmente será reenviado à força para a sua aldeia natal para de novo trabalhar a terra, mas agora, sob o pretexto de reeducação-proletária e por um salário ainda mais baixo.

Entretanto, o Carlos Augusto e o Rui Mota ficam em Lisboa a tratar de assuntos bem mais importantes, tais como reprimir as ambições do proletariado, deliberando quem tem direito a ter carro e casa e distribuindo senhas para os militantes do partido poderem comprar produtos de qualidade inferior nas lojas do estado.

Bom Natal é o que vos desejo sinceramente, mas por favor, deixem os proletários em paz (pelo menos na época natalícia) que não vos fizeram mal nenhum...

rui mota disse...

Carmo,

Continuas a confundir a cova da Beira com a beira da cova. Uma coisa é o índice de transparência e corrupção (e foi sobre isso que escrevi um "post"); e outra, são sistemas políticos, que são coisas completamente diferentes. Também podemos falar de sistemas políticos, mas, nesse caso, temos de falar num só sistema, ainda que com gradações, desde o capitalismo selvagem e neo-liberal (que provocou a actual crise mundial) até às ditaduras mais abjectas que tu (à falta de melhor) continuas a apelidar de socialistas, como se houvesse actualmente socialismo no Mundo. Mesmo dando de barato que os sistemas dinásticos da Coreia do Norte e da Cuba, seriam socialistas (!?), temos de admitir que não sobre mais nenhum. Dois países, em 193, é obra!
Depois, temos outra coisa: pese a relativa transparência e menor corrupção dos países mais desenvolvidos, a verdade é que a maior corrupção (a de colarinhos brancos) teve lugar nos EUA (vide Lehman Bros. e quejandos) e em países "acima de toda a suspeita" como o intocável Luxemburgo, etc. Dito de outro modo: a crise é do sistema económico capitalista e foi provocada pelos países do hemisfério norte. Ou, como dizia o Lula: "Esta crise foi provocada por homens de cabelo louro e olhos azuis". Não iria tão longe, mas não consta que tenham sido os países mais pobres a provocá-la. Isto não tem nada a ver com o proletariado (ainda há proletários?), mas com a relação de forças no Mundo actual. Não é preciso acreditar em "amanhãs que cantam" para perceber estas coisas simples. O Piketty até escreveu recentemente um livro sobre isso. Chama-se "O capital no século XXI". Só não percebe quem não quer (ler).

Carmo da Rosa disse...

Pois claro, quem é que não sabe que uma coisa é transparência e corrupção e a outra são bifes de peru? Eu creio que sei. Li muito bem o teu post, estou grosso modo de acordo e disse isso no meu comentário.

Tu é que, com a tua mania de querer à viva força dar lições ao proletariado, imaginas confusões que não existem só para ter que dizer, par dar largas ao teu compulsivo paternalismo acabando por confundir uma piroca com uma bigorna!

Até disse, mas APENAS em resposta a um comentário do teu amigo monárquico, que:

"Referências a neoliberalismos e fascismos não têm qualquer sentido neste contexto: é tecnicamente possível ser (neo) liberal e corrupto mas também (neo) liberal e honesto, e o mesmo se verifica em relação a fascistas.

Com "contexto" refiro-me obviamente ao teu artigo e na altura utilizei as minhas palavras para responder ao Carlos Augusto, mas agora poderia perfeitamente utilizar as tuas:

"O meu amigo confunde a cova da Beira com a beira da cova. Uma coisa é o índice de transparência e corrupção (e foi sobre isso que escrevi um "post"); e outra, são sistemas políticos, que são coisas completamente diferentes.

Depois de teres escrito um post bastante decente sobre o índice de corrupção no mundo, começas a derrapar nos comentários para teorias conspiratórias sobre o inevitável capitalismo onde os banqueiros mandam nos políticos e a quantidade de ditaduras abjectas que eu apelido de socialistas. Quando tu achas que já não existe socialismo em nenhuma parte do mundo! Tudo isto são assuntos que eu não abordei... Como de costume, fazes a festa, deitas os foguetes e vais apanhar as caninhas - fantástico!

E arranjas maneira de 'en passant' dizer mal dos (para sempre) amaldiçoados americanos e do detestado capitalismo nos comentários ao teu post, que apenas trata de índices de corrupção! Mais uma vez fantástico... Mas citar o Lula neste contexto é pura ironia, tendo em conta a classificação do Brasil no ranking e os problemas de corrupção (Petrobrás) em que se debate actualmente, e que fariam o Sócrates corar de vergonha...

Perguntas se ainda há proletários?

Como designar o bacano que em Amesterdão reparou o teu computador americano? E será que telefonas a um banqueiro quando a canalização em tua casa está entupida?

Sabes porque razão o Piketty há bem pouco tempo escolheu o parlamento holandês para dar uma conferência? Porque segundo ele a acumulação de capital não produtivo neste país está a um nível OK. Mas o Fokke & Sukke (duas figuras de um cartoon diário no NRC):

"zijn niet gerust op: volgens mij Piketty al ons geld in.

O Piketty é um grande cabrão, andou por Berlin, Londres, Nova Iorque e Amesterdão e só agora é que se lembrou da Amadora. Não se faz! No teu lugar já não lia o livro dele. E no meu lugar tampouco. Porque ler livros neomarxistas é o caminho mais rápido para a ignorância, e o livro do Piketty é um calhamaço - mas já existem resumos (muito resumidinhos) em paperback para proletários, que preferem gastar o seu rico tempo em actividades menos ambiciosas, mas mais saudáveis, como jogar à sueca ou ao dominó....

rui mota disse...

Estás enganado: segundo o (próprio) Piketty, ele é um economista tradicional, da escola neo-keynesiana. Mas, concordo, o livro é um calhamaço. Eu também só comprei a versão resumida: "A economia das desigualdades" (L'économie des inégalités) editado pela Actual em Portugal e pela La Découverte, em Paris (1997), que é assim a modos que um "ensaio geral" para o grande livro. Já lá está a tese principal. Aconselho.

Carmo da Rosa disse...

Já li mais sobre o Piketty (e vi entrevistas) do que seria saudável e já encomendei a versão resumida, mas primeiro vou ler Le Suicide Français de Eric Zemmour, que já me foi enviado de França mas ainda não chegou...