2017/03/12

Eleições holandesas: teste ao populismo



No ano de todas as eleições, a Europa terá o seu primeiro grande teste de 2017 na Holanda, onde, no dia 15 de Março, haverá eleições legislativas.  
Depois dos resultados, algo surpreendentes, do "Brexit" e da vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, as atenções viram-se agora para a Europa que conhecerá, este ano, três actos eleitorais considerados determinantes para o futuro europeu: na Holanda, em França e na Alemanha, todos países fundadores da União.   
No fundo, trata-se de saber se os resultados do Reino Unido e dos EUA, ainda que por razões diferentes, confirmam (ou não) uma tendência internacional que muitos apelidam de populismo, neste caso de direita.
Pesem as especificidades de cada país e os temas dominantes das respectivas campanhas eleitorais, existem traços comuns possíveis de identificar: desde logo, o apelo ao proteccionismo económico em resposta à liberalização dos mercados (que conduziu ao aumento das desigualdades, fruto de desinvestimento nas sociedades ocidentais e da deslocação do capital para países de mão-de-obra barata) com o consequente aumento do desemprego interno (é o caso dos EUA); depois, o apelo ao nacionalismo, como resposta ao crescente centralismo e burocracia do "diktat" de Bruxelas, em cujos métodos grande parte dos países membros não se revêem (são os casos do UK, França e da Holanda); finalmente, o medo do terrorismo islâmico, potenciado pelas recentes vagas de refugiados de países muçulmanos em guerra (como é o caso na UK, França, Holanda e Alemanha).
Não é, pois, de admirar, que em todos estes países, tenham surgido políticos de verbo fácil e discurso demagógico que "cavalgam a onda" da insatisfação (e ignorância) de uma parte significativa das populações, desiludidas por anos de promessas e há muito desconfiadas das "elites" que os governam, a quem acusam de as terem descartado.
Em tempos de incerteza social e competividade no mercado de trabalho (ao qual, muitos destes deserdados da riqueza nacional já não voltam, por serem preteridos por estrangeiros e pela globalização actual) fácil é arranjar "bodes expiatórios", agora que os refugiados chegados à Europa recebem auxílio e são mais um factor da pressão social existente. Juntem-se os atentados dos últimos anos em França, na Bélgica e na Alemanha, todos eles perpretados por residentes nesses países (ainda que com nacionalidade europeia) e temos assim reunidos os elementos para uma "tempestade perfeita". Líderes como Farage no Reino Unido, Le Pen em França ou Wilders na Holanda, são apenas três exemplos desta corrente nacionalista e proteccionista, anti-União e islamofóbica, que ganhou espaço na arena política. Todos eles usam os estrangeiros como moeda de troca, acusando os seus governos de os acolher e proteger, em detrimento dos nacionais, assim como todos eles agitam o espantalho do terrorismo islâmico, como prova última dos perigos inerentes à entrada de mais muçulmanos no espaço europeu.
O discurso xenófobo não se limita, de resto, aos países citados, mas a outros países membros da União Europeia, como a Hungria e a Polónia, onde governos de direita já alteraram as constituições e construiram muros para evitar a entrada de refugiados, numa clara subversão dos valores democráticos e humanistas que deviam prevalecer na Europa. Resta acrescentar, que o actual fenómeno nacionalista e populista na Europa, também foi sendo alimentado por politicas erráticas e pressupostos falsos, dos quais não podem ser excluídos os partidos e governos sociais-democratas que, nas últimas duas décadas, vêem pactuando com as políticas de compromisso que contribuiram para a despolitização e exclusão crescente de grande parte das populações nestes países.
A três dias das eleições holandesas, as possibilidades do partido PVV (extrema-direita, islamofóbica) ser o partido mais votado, são praticamente as mesmas do VVD (liberais de direita, actualmente no governo) que, até este fim-de-semana, tinha uma ligeira vantagem nas intenções de voto. Os grandes penalizados, serão os partidos da esquerda, o PvDA (Partido Trabalhista) e o SP (Socialistas), assim como o D'66 (centristas). O CDA (Democrata-Cristão), ainda que bem posicionado, deve ficar fora do pódio vencedor. Resta acrescentar, que o PvDA e o CDA, partidos que historicamente têm feito parte da governação, foram os "construtores" do Estado Social na Holanda, hoje parcialmente desmantelado pela austeridade e pelos cortes orçamentais dos últimos anos, o que pode explicar muito da insatisfação na sociedade holandesa. Neste contexto, o partido GROENLINKS (Esquerda Verde) uma coligação formada nos anos '90 pelo Partido Comunista, pelo Partido Pacifista e pelo Partido Reformador, a subir exponencialmente nas sondagens, pode tornar-se um dos partidos mais votados nestas eleições, com grande probabilidade de entrar no próximo governo. Uma coisa, parece certa: independentemente de ser (ou não) o mais votado, o partido de Wilders - que este fim-de-semana pode ter ganho novo alento devido aos incidentes entre a comunidade turca e a polícia holandesa de Roterdão - não deverá entrar para o governo. Os restantes partidos já declararam não querer governar com este partido xenófobo e islamofóbico. Dada a composição do actual parlamento (150 lugares) que pode vir a eleger 14 bancadas partidárias, é de esperar um longo período de formação governamental, cujo gabinete poderá ser composto por 4 ou mais partidos.
Na próxima quarta-feira, saberemos mais.

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Interessante este ponto de vista do Rui Tavares, partilhado de resto por outros analistas.
https://www.publico.pt/2017/03/15/mundo/noticia/de-que-se-queixam-os-holandeses-1765205

rui mota disse...

Sim, também li. O Rui, para além de bom analista, sabe do que fala por ter estado 5 anos no Parlamento Europeu. Conhece-os a todos...