2017/11/05

Dias Maus


De acordo com o advogado de defesa de um dos "seguranças" da discoteca "Urban Beach" (o nome é todo um programa), o seu cliente teve um "dia mau", o que explicará os pontapés que deu na cabeça do jovem atingido por três defensores da "ordem e tranquilidade" na praia urbana. De resto, e ainda segundo o mesmo advogado, trata-se de equimoses "sem grande importância": um olho negro, um lábio rachado, um dente partido, uma perna esfacelada, dores no corpo, três semanas de recuperação médica, tudo coisas fáceis de "sarar", como se depreende... 
O que é isto, comparado com as agressões sofridas por dois jovens em Coimbra, barbaramente espancados perante testemunhas e provas irrefutáveis, gravadas em vídeo, como aliás já tinham sido testemunhadas e gravadas as agressões da mais famosa "praia portuguesa"?  Certamente, um "dia mau" dos agressores, que continuam a monte, apesar da gravidade do acto (passível de uma pena por tentativa de homicídio até 25 anos) como foi sublinhado por todos especialistas ouvidos neste caso.
O mesmo, ainda que com outros contornos, se passou com aquela mulher que teve o azar de ser raptada pelo seu ex-companheiro e ser igualmente espancada pelo ex-marido, num caso de extrema violência doméstica, que um acordão anedótico equiparou a "punição bíblica".
Dias maus.
Imaginemos que todos nós - que temos maus dias - saíamos à rua e desatávamos aos pontapés nos primeiros cidadãos que encontramos para, dessa forma, libertarmos a frustração pelos dias menos bons, que a nossa pacata vida encerra?
Nem quero imaginar.
Pior do que tudo isto, em si já extremamente preocupante, é saber que estamos dependentes de agentes da justiça (advogados, magistrados, polícias...) que continuam a interpretar a lei e a sua aplicação de forma a garantir o máximo de protecção para os (confessados) agressores e o mínimo de garantias para o comum dos cidadãos.
Não por acaso, a violência gratuita (doméstica e no espaço público) tem vindo a aumentar na sociedade portuguesa, como se depreende dos inúmeros relatórios e provas (filmes) com que somos confrontados diariamente nas redes sociais. Certamente, uma consequência da proliferação dos "smartphones", que permitem em tempo real divulgar muita da violência que campeia nas escolas e não só.
O que todos estes casos parecem revelar, é a existência de um caldo cultural que, a banalizar-se, pode tornar-se um "modo de vida" (a banalidade do mal), cujas consequências são de todo imprevisíveis. Uma coisa é certa: onde falham as instituições (o estado) cresce a criminalidade. É dos livros.
Não faz sentido que um estabelecimento comercial (neste caso uma discoteca) tenha sido alvo de 38 queixas no último ano, por violência privada, a cargo de uma qualquer empresa de segurança (!?) que se comporta como um "estado dentro do estado", sem que nada tivesse acontecido.
Trinta e oito dias, são dias maus demais.  

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