2017/10/17

Quando ninguém é culpado, somos todos culpados...

Menos de quatro meses depois, daquela que já é considerada a maior tragédia do último século, o país viu-se, uma vez mais, confrontado com outra vaga de incêndios de proporções gigantescas. Quando escrevemos este texto, estavam contabilizados 41 vítimas mortais e mais de 70 feridos, entre os quais alguns em estado grave. Ou seja, em apenas dois dias de fogos florestais (17 de Junho e 15 de Outubro), morreram mais de 100 pessoas! Não estão aqui contabilizadas as perdas materiais (casas, alfaias, colheitas, animais) calculadas em qualquer coisa como 500 milhões de euros, para além da própria área florestal, da qual arderam 400.000 hectares, a maior área europeia este ano!
Uma catástrofe sem igual, que devia fazer pensar os gestores da coisa pública sobre as estratégias de prevenção e combate aos fogos, pensadas e aplicadas nas últimas décadas e que, ano após ano, continuam a falhar sistematicamente.
Algo está profundamente errado em tudo isto e não vale a pena lamentarmo-nos mais uma vez sobre esta calamidade, ou esperarmos por mais um relatório, para saber o que está mal e quais as origens do problema (são várias) ou os antídotos para solucionar (ainda que parcialmente) este problema.
O diagnóstico está feito e não são necessários mais pareceres e grupos de estudo para delinear uma estratégia nacional (a dez, vinte anos) que tenha a concordância dos sucessivos governos, pois se há causas nacionais, esta é uma delas.
Todos sabemos - e os técnicos repetiram-no esta semana -  que as causas profundas residem na desertificação do território (acelerado com a emigração e guerra colonial), na falta de ordenamento (de que toda a gente fala e ninguém quer saber), na falta de cadastro das florestas (não existe acima do Norte do Tejo) e no desaparecimento progressivo da agricultura de sobrevivência e do pastoreio (menos rebanhos, menos pastores), que foi trocada pela plantação desordenada de espécies exógenas (eucaliptos e pinheiro bravo) que ardem depressa e dão muito dinheiro a ganhar aos madeireiros e à industria de celulose. Acresce, que muitas autarquias não cumprem o obrigação da limpeza das matas e muitos habitantes, das zonas do interior, continuam a fazer queimadas, piqueniques e lançar foguetes em zonas proibidas, sem que alguém os proiba. Uma questão cultural, portanto.
Em Verões de extrema seca (como tem sido a maior parte, neste século) e com os pinhais sem vigilantes (acabaram com os guardas florestais e cantoneiros) não é para admirar que muitos fogos (90% são de origem humana) possam ser ateados, mesmo que sem dolo. Resta uma pequena percentagem (10%?) que comprovadamente foram actos de pirómanos e/ou terrorismo, a soldo de interesses vários (vinganças, económicos, políticos, etc.).
Ora, o que os fogos de domingo vieram demonstrar (mais de 500 ignições num só dia!) é que a prevenção falhou redondamente. Para além das causas naturais conhecidas (temperaturas excessivas para a época do ano, humidade relativa baixa e ventos ciclónicos) a verdade é que muitos dos dispositivos no terreno voltaram a claudicar na sua função mais importante: o aviso e a prevenção das populações. Falhou o famigerado SIRESP (mais de 500 milhões de custos), as famigeradas calhas onde passam as fibras ópticas que, supostamente, deviam estar enterradas para não derreter com o calor do fogo, a coordenação das equipas no terreno, os aviões e helicóperos em número insuficiente e "last but not least", o nível "Charlie" (alerta vermelho) que foi desactivado no dia 30 de Setembro, por ser considerado o último dia da "época de fogos" (!?).
É, por isso, incompreensível que, perante tanta inépcia e incompetência, o governo se limite agora a lamentar as mortes ocorridas e que use uma esfarrapada desculpa de um relatório, para não tomar, em tempo, medidas práticas de curto prazo.
Não, os fogos não podem ser todos controlados e não se pedem "milagres" aos governantes. Mas, pede-se, isso sim, a assumpção de responsabilidades que, neste caso, ninguém parece querer assumir. Uma melhor prevenção, não evita os fogos, mas limita a sua proliferação e diminui o risco implícito. Alguém tem de dar o "corpo às balas" e assumir responsabilidades por esta vergonha nacional. Quanto mais não seja, porque nem todos têm a mesma responsabilidade. Ora, como sabemos, quando ninguém é culpado, somos todos culpados. Já chega!   

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