2018/10/29

Bye Bye Brasil...


... É o título de um dos mais célebres filmes brasileiros da década de 1970, quando a ditadura militar governava e, para além da repressão e da tortura, vendia o país a retalho a multinacionais estrangeiras.
O filme, uma comédia de Carlos Diegues (1979), sobre as peripécias de uma família de saltimbancos em viagem pela Transamazonia, mostra um país de contrastes e desigualdades, tendo como pano de fundo a luta pela sobrevivência dos seus habitantes e a exploração desenfreada das suas riquezas naturais.
Sobre a obra escreveu, então, o crítico Cassiano Terra Rodrigues no "Correio Cidadania":
"Bye Bye Brasil é um filme de um país que está deixando de ser o que por muito tempo foi para se tornar não se sabe o quê...". Lembrei-me desta citação, quando assistia ontem à emissão especial de um canal televisivo sobre o acto eleitoral brasileiro.
Ainda que o resultado final não tenha sido propriamente uma surpresa (todas as projecções apontavam neste sentido), o facto de 57 milhões de brasileiros terem votado num bronco fascista é por demais preocupante para deixar indiferente qualquer democrata.
O Brasil (e por extensão, a América Latina) corre o risco de um retrocesso civilizacional, como não se via desde a década de setenta, quando a maior parte do continente sul-americano era governada por juntas militares, cuja política assentava na repressão, na tortura e na morte dos seus oponentes. Foi assim no Brasil, como no Chile e na Argentina, no Uruguay, como no Paraguay... O tempo da "operação Condor", idealizada por Kissinger e executada com o apoio da CIA. Toda a gente está lembrada disso e existem quilómetros de documentação escrita e filmada sobre os "anos de chumbo" que se abateu sobre a América do Sul, certamente um dos períodos mais negros do pós-guerra no Mundo Ocidental. Já lá vão mais de trinta anos e, desde então, muita coisa mudou no Mundo, a começar pelo Fascismo clássico que, não tendo desaparecido, ganhou, entretanto, outras formas. Com a queda do "muro de Berlim" e a implosão da União Soviética, o "papão comunista" pode ter desaparecido, mas a apetência pelas riquezas naturais, não. A "globalização" que se seguiu, ao contrário do que muitos profetizavam, não trouxe mais riqueza para todos e, muito menos, melhor distribuição dessa mesma riqueza. Os ricos aumentaram os seus proveitos (50% da riqueza do Mundo está, hoje, nas mãos de 1% da população mundial) e o capitalismo, agora menos regulado, tornou-se ainda mais predador do que já era.
A desregulação do sistema (que originou uma transferência do capital produtivo para a esfera do capital especulativo) levou os agentes económicos a procurar outras formas de intervenção que, em períodos de crescimento económico e em sistemas democráticos estáveis dispensa intervenções "musculadas", mas que, em regimes fracos, podem ser equacionadas. 
O que se está a passar no Brasil, como de resto noutras partes do Mundo - do Brexit inglês, à América de Trump, passando pela Hungria de Órban, ou à Austria e à Itália, onde governam  ditadores do "novo tipo" - não se trata de um hiper-fenómeno, mas de uma tendência que tem vindo a alastrar nos últimos anos. É verdade que o fascismo de hoje, tem características diferentes daquelas enunciadas por Eco no ensaio "Como reconhecer o fascismo" (Relógio de Água, 2017) no qual, o conhecido semiólogo italiano, utiliza 14 arquétipos para definir a "besta". No entanto, bastou ter ouvido Bolsonaro durante a campanha eleitoral (durante a qual se recusou a debater com o oponente) para reconhecer os principais traços de um ditador. Está lá tudo: o culto da tradição, a rejeição do modernismo, o irracionalismo, o sincretismo, o medo da diferença, o apelo às classes médias frustradas, a obsessão da conspiração, o nacionalismo, a deslocação do registo retórico, o apelo à violência, o desprezo pelos fracos, o culto dos heróis, o machismo, o populismo, a "neolíngua". Não por acaso, Bolsonaro é apoiado pelas forças armadas (bala), pelas seitas evangélicas (bíblia) e pelos grandes agrários (boiada), os três "Bs" que sustentam a sua candidatura. Que esperar de um candidato que elogiou a ditadura e, em pleno congresso, deu vivas a Ustra, o torturador-mor da junta brasileira; que disse que a ditadura matou pouca gente e que Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente da República) devia ter sido morto; que as mulheres deviam ganhar menos que os homens e que as pobres deviam ser esterilizadas porque têm muitos filhos; que bandido morto é bandido bom; que quer armar a população; e que não gostaria que um filho seu fosse homosexual, entra outras barbaridades? Bom, esse candidato é Bolsonaro, ontem eleito presidente da maior democracia da América do Sul. Os brasileiros que nele votaram, não podem dizer que não sabiam. Todas estas declarações estão gravadas e foram amplamente noticiadas em todo o Mundo. Tiveram o apoio de mais de 50 milhões de votantes, muitos conscientes do que queriam, outros sem consciência alguma. Que se seguirá? Não sabemos, mas parece que governar o Brasil parece, agora, estar tão distante, como no filme de Diegues.
Nota final: em Portugal, os imigrantes brasileiros superaram os 55% atingidos pelo candidato fascista na média final. Mais de 64%, só em Lisboa! É obra. Perante tais números e partindo do princípio que estes "bolsonaristas", agora, já não têm nada a temer e podem regressar à pátria, faço, desde já, uma sugestão: trocá-los por um número igual de democratas brasileiros. Desta forma, ganhamos todos.     
      

2 comentários:

Carlos Alberto Augusto disse...

O Brasil vai acordar, claro. Ou vai ter de ser acordado... O problema com estes países é que são demasiado grandes e quando se constipam o espirro chega longe. Não há fronteiras que contenham as asneiras dos Bolsonaros, Trumps, etc.. Chegará o dia (e não vai poder tardar muito...) em que a soberania dos estados vai ter de ser condicionada, tendo em conta o seu raio de acção.

isabelgalacho disse...

Vou pela ideia da troca. Ficamos todos mais contentes nesta situação já de si tão inquietante . Gostei da tis análise. Obrigada.