2020/01/15

Granada: na rota de Lorca

Museo Casa Natal - Federico Garcia Lorca
Data de 1977, a minha primeira e breve passagem por Granada.
Da visita, guardo recordações de um gorada entrada no Alhambra e uma sessão tardia de flamenco para turistas, algures nas "cuevas" ciganas da cidade. Pelo meio, uma "paella" memorável. 
Quarenta anos mais tarde, a oportunidade de voltar a esta cidade mítica, último reduto do domínio muçulmano na península ibérica, agora com propósitos mais bem definidos.
Desde logo, visitar os "ex-libris" locais, a citadela La Alhambra (o monumento mais visitado de Espanha), o palácio del Generalife, a Catedral, a Capilla Real, o Palacio de La Madraza, o Corral del Carbón, o Bairro Albaicín, Sacromonte, o Paseo de Los Tristes, o Parque que rodeia a Horta de S. Vicente (onde viveu Federico Garcia Lorca) ou a "carmén" de Manuel de Falla, entre tantos outros.
Este era o plano...
Porque o tempo era escasso e, pelo meio, havia um fim-de-semana festivo, tornou-se difícil cumprir o sobrecarregado programa, tanto mais que muitos dos locais se encontravam encerrados ou apresentavam filas desencorajadoras para quem não podia esperar...
Começámos pelo fim, neste caso as localidades de Fuente Vaqueros e de Valderrubio, nos arredores da cidade, onde Garcia Lorca viveu parte da sua infância e juventude. Em ambas, existem hoje casas-museu dedicadas ao poeta, que albergam parte do seu espólio e muito do mobiliário original, recuperados pela família. Foi, aliás, em Valderrubio, onde Lorca passou a juventude, que o dramaturgo escreveria a peça "A Casa de Bernarda Alba".
Fuente Vaqueros, uma pequena vila de 4000 habitantes, dista apenas 17km de Granada. Saindo pela A92, em direção a Sevilha e, depois de passar o aeroporto, que ostenta o nome de Lorca, podemos ver as primeiras indicações na berma direita da estrada. Após um pequeno desvio, indicado pelo GPS, que obriga os visitantes motorizados a passar pelo cemitério (!?), fomos parar à Alameda  principal da  vila, o Paseo del Prado, onde se encontra uma fonte monumental, dedicada a Lorca. No outro extremo da Alameda, encontra-se a estátua do poeta que, de resto, dá o nome a ruas, escolas, creches e cafés de Fuente Vaqueros. O Museo Casa Natal - Federico Garcia Lorca, é a principal atracção da vila e, pela manhã, já havia turistas a rondar a porta, àquela hora fechada por estar a decorrer uma visita guiada no seu interior. Enquanto esperavámos pela nossa vez, aproveitámos para visitar El Museo de Fuente Vaqueros, uma antiga escola reconvertida, paredes meias com a Casa Natal.
Inaugurado em 1986, o museu reuniu uma importante colecção de documentos, bibliografia e obras de arte, hoje referência imprescindível para investigadores e seguidores da vida e obra de Federico Garcia Lorca. Entre os mais significaticos, o manuscrito da conferência "Arquitectura del Cante Jondo", a versão argentina do guião "El Retablillo de Don Cristóbal", páginas soltas de "Mariana Pineda", arquivos pessoais, como os do espanholista Ian Gibson, do poeta Fernando Villalón, assim como obras de Dali, José Caballero, Benjamin Palencia e Manuel Ángeles Ortiz.     
Em 1998, foi anexado ao museu, El Centro de Estudios Lorquianos, que alberga desde então a biblioteca e arquivo, para além de sala de exposições, concebida como espaço aberto a propostas inovadoras. Na sala das exposições temporárias, é possível ver uma reconstituição fotográfica dos locais de Granada, frequentados por Lorca nas décadas de '20 e '30, alguns dos quais já desaparecidos, como as duas casas onde viveu com a família. 
De volta à Casa Natal, onde só é possível entrar com guia, fomos passando através das diferentes divisões que compõem a pequena habitação de dois pisos, onde nasceu e viveu o poeta até aos sete anos. Lá estava a cama original e o piano de parede, cedido pela irmã, no qual tocou e acompanhou a célebre Argentinita, para além de fotos e móveis originais, que foram recuperados pela família. No piso superior, hoje vazio, pudemos assistir a um filme de época, com imagens de Lorca durante uma digressão do grupo teatral "A Barraca", por ele fundado, para além de uma excelente exposição fotográfica, através da qual podemos seguir cronologicamente a história da família, que se fixou no vale de Granada, depois do pai de Lorca ter-se dedicado à cultura da beterraba, com a qual enriqueceu. As traseiras da casa, dão ainda para um pátio interior, onde existe um poço e um busto de Lorca, que serve de ex-libris às publicações da loja de "souvenirs", onde é possível comprar livros, discos e reproduções de cartazes da época. Indizível, a sensação de estar naquele lugar.
Dado o adiantado da hora, deixámos para nova visita a povoação de Valderrubio, onde existe a outra casa-museu, pois ainda faltava Granada...
Resta falar de Ian Gibson, académico irlandês, apaixonado por Espanha, cujos livros sobre Lorca (tema da sua tese de doutoramento) fazem dele um dos maiores especialistas da vida e obra do poeta andaluz. Foi ao ler Gibson, que (re)descobri Lorca. Um manancial de informação, onde a investigação jornalística, não dispensa a erudição, sempre presente em todos os seus livros. Para os interessados, recomendo "La represión nacionalista de Granada en 1936 y la muerte de Federico Garcia Lorca" (Ruedo Iberico: Paris, 1971), apreendido durante o regime de Franco e recentemente reeditado sob o título "El Asesinato de Garcia Lorca" (Ediciones B: Barcelona, 2018); "Vida, pasión y muerte de Federico Garcia Lorca, 1898-1936" (Ediciones B: Barcelona, 2016) e "Aventuras Ibéricas" (Ediciones B: Barcelona, 2017), entre outros.
De vida e obra de Lorca, sabemos cada vez mais. Das condições da sua morte, nem tanto. Falta o mais importante: encontrar o corpo, supostamente enterrado, juntamente com outros republicanos, numa vala comum, algures entre Víznar e Alfacar, após ter sido fuzilado pelas tropas franquistas, no dia 17 de Agosto de 1936.

"Desde entonces no sabemos nada, sino su propria muerte, el crimen por el que Granada vuelve a la Historia con un pabellón negro que se divisa desde todos los puntos del planeta"
PABLO NERUDA, 1947 

  

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