2025/03/12

(Des)Confiança

Terminou, sem glória, mais uma legislatura governamental, inaugurada há precisamente um ano e um dia. Como era de esperar, a Moção de Confiança, apresentada pelo primeiro-ministro, foi chumbada pela maioria do Parlamento e, de acordo com a Constituição, o governo caiu. 

Não foi bonita de ver, a sessão parlamentar de ontem, uma das mais longas dos últimos anos, que alguns comentadores já apelidaram de histórica. Cinco horas de debate, nem sempre transparente.

Como chegámos aqui, é provavelmente a pergunta que muito boa gente estará a fazer neste momento, ainda que os sinais da crise fossem por demais evidentes nas últimas semanas. 

Enredado numa situação de incompatibilidades entre o cargo político que desempenhava e os negócios privados de que beneficiava, o primeiro-ministro demorou a reconhecer o óbvio e, quando o fez, foi de tal modo evasivo, que pouco mais restava do que a demissão. 

Escolheu não fazê-lo, argumentando nada ter a esconder, enquanto apresentava provas que foram sendo progressivamente desmontadas por diversos orgãos de comunicação social (Correio da Manhã e Expresso), afinal os detonadores desta crise. Quando os argumentos começaram a escassear, surgiram as as primeiras moções de censura (Chega e PCP) que não obtiveram o consenso da Assembleia da República. 

É neste contexto, de desconfiança geral, que o PS avança com um requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que permitiria ao governo continuar em funções até ao apuramento dos factos. No fundo, uma forma hábil de manter o governo, enquanto o primeiro-ministro seria "cozido em lume brando" e dando tempo à oposição para se reorganizar.

Percebendo o perigo, Montenegro tentou uma última cartada, ao propor uma Moção de Confiança, que atiraria o ónus da prova para a oposição. Em si, uma forma hábil de culpar o PS, pelo eventual derrube do governo, o que viria a confirmar-se.

Resta saber quem tirará mais dividendos desta crise institucional,  que obrigará o país a ir a eleições pela terceira vez em três anos (uma solução que a maioria da população não vê com bons olhos), mas que acabou por tornar-se inevitável.

E agora? 

Segue-se o ritual previsto em situações similares: o Presidente da República auscultará os partidos com representação parlamentar, seguir-se-á o Conselho de Estado e, finalmente, a marcação de uma data definitiva para as Eleições Legislativas, que não devem acontecer antes de 11 de Maio. 

Conclusões provisórias: ainda que seja cedo para avaliar os "estragos" causados por uma crise que ninguém pediu, a verdade é que tudo pode ficar na mesma e esse será, certamente, um mau resultado. A acreditar nas sondagens (publicadas antes da crise), não haveria grandes alterações de voto nas principais formações políticas (AD, PS e Chega) que manteriam, sensivelmente, as percentagens do ano passado. Já o lugar dos principais líderes partidários (respectivamente, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos) estará em perigo, pois não é provável que o derrotado se mantenha no cargo. Quem perder, sai. Esta é a lógica implacável dos partidos democráticos. Apenas o Chega, partido autocrático de um homem só, não terá esse problema. Também nestas eleições, a escolha será entre democracia e autoritarismo. 

Venham as eleições!

2 comentários:

Carlos A. Augusto disse...

Sim, em resumo, este é o "filme" da crise. Só não concordo com a afirmação de que a população não vê com bons olhos as eleições. Não me parece assim tão fácil tirar essa conclusão.
A população, ou vê mesmo com bons olhos ir para eleições, depois do desastre anunciado que foi a gestão do último ano ou não vê nada. E então leva com o que aí vier e vai a banhos a seguir ao voto, que o verão vem logo aí a seguir e o bronze do ano passado já se gastou...

rui mota disse...

A afirmação não é minha. Dizem os estudos de opinião que a maioria dos inquiridos (77%) não quer eleições. Ainda hoje, nas entrevistas ad-hoc feitas em Lisboa e no Porto, quase todos os inquiridos disseram estarem "fartos" de eleições. Aliás, prevê-se um aumento da abstenção, o que pode significar esse mesmo cansaço. Vamos ver.