2010/08/05

Mas vamos ter submarinos, caraças!

Um "contexto de contenção orçamental e de redução da despesa pública" foi a justificação arranjada pelo Ministério da Educação para congelar as verbas atribuídas ao ensino da música, no âmbito do chamado ensino artístico.
Trata-se de uma manobra feia, feita, como alguém me apontou, assim, pela calada do verão, que apanha toda a gente de surpresa e em contraciclo daquilo que tinha sido a orientação do ME. Nesta onda de disparar em todas as direcções e atacar os mais vulneráveis, os ataques também chegam à pobre da música que fica assim mais pobre ainda...
A medida é tomada numa altura que não permite às escolas honrar compromissos assumidos em tempo oportuno, prejudicando essas escolas, os seus professores e alunos. E suspeito que, no caso dos professores, os mais prejudicados serão justamente os jovens licenciados que buscam uma oportunidade de se "inserir no mercado de trabalho", justamente aqueles por quem os responsáveis vertem lágrimas cínicas a toda a hora e que dizem querer proteger. E vamos ver como se resolve o problema dos alunos já matriculados, que agora ficam de fora por falta de verba...
É significativo que esta medida seja tomada pelo Ministério da Educação numa altura em que uma, digamos, escritora detém a pasta, e em que temos como Ministra da Cultura, digamos, uma pianista. Diz bem do peso que elas, a educação e a cultura terão no Conselho de Ministros e diz bem do peso que para estas ministras tem o ensino artístico. Cultura e ensino, são, como fica amplamente demonstrado para quem ainda tinha dúvidas, conceitos descartáveis.
Não pode esta medida deixar de suscitar a todos nós o mais vivo repúdio!

Chapéus e cartéis

O presidente do México Felipe Calderón declarou ontem numa conferência sobre crime no México que os gangues da droga se afastaram do seu modo de operação habitual, que consiste na produção e distribuição da droga, para se transformarem num governo de facto nas áreas que controlam. Felipe Calderón diz que só ao governo cabe a cobrança de impostos, mas estes gangues ao extorquirem dinheiro tanto a comerciantes com actividade legítima, como ilegítima --uma espécie de impostos-- estão a desafiar o governo, e até a tentar substituí-lo. Os cartéis da droga, refere Calderón, pretendem criar um monopólio e mesmo as suas próprias leis pela força das armas. Deixá-los entregues às suas actividades, sem reacção, afirma o presidente do México, "é simplesmente inaceitável."
É o que pode acontecer aos estados quando o voto que legitima os seus dirigentes se demite de controlar os abusos.
A linha que divide os cartéis da droga de um governo legítimo pode ser de facto ténue. Há uma diferença real entre a cobrança legítima e a extorsão de impostos, mas ela nem sempre é clara... De resto, cobrar impostos, criar monopólios e leis, pela força das armas se for necessário, não é exclusivo dos cartéis da droga. Há outros métodos para nos extorquir os impostos e cercear  a nossa liberdade, e há outros cartéis que não precisam sequer de armas. Basta-lhes palavreado embalador.
A linha que divide o exercício legítimo e ilegítimo do poder é ténue, por vezes mesmo invisível, e vai-se curvando às circunstâncias.
Cartéis, tal como os chapéus, há muitos...

2010/08/03

Estupidez

O Almirante Vieira Matias usou palavras fortes para caracterizar, o que ele considera, uma campanha contra a aquisição dos submarinos. Usou, a propósito, o termo "estupidez" várias vezes e de forma particularmente veemente. Deixa-me sempre inquieto ouvir um alto dirigente militar usar este tipo de "argumentos" para defender o seu ponto de vista.
Acontece que o custo dos submarinos é da ordem dos 980 milhões de euros, o que constitui uma percentagem à volta de 0.6% do PIB. São valores que impressionam. Não quero fazer aqui comparações rigorosas (não é fácil...) mas deixem-me dar dois exemplo. Em 2006, o custo total do sistema de saúde,  por exemplo, terá sido de cerca de 10% do PIB. Em 2007, o custo total das pensões mínimas do regime geral de segurança social foi de cerca de 3 milhões de euros, aproximadamente 0.3% do que custaram agora estes subamarinos. Ou seja, em traços muito gerais e mesmo que corrigíssemos o desfasamento temporal destes dados e a sua previsível variação para os anos subsequentes (que eu não fiz!) é fácil perceber que o Estado consome, levianamente, em dois submarinos, uma percentagem incompreensivelmente grande do nosso PIB. Dois submarinos apenas custam mais de 300 vezes o valor que a totalidade dos pensionistas mais pobres recebeu em 2007. São opções que custa aceitar e só por leviandade se pode dizer que quem se opõe a estas escolhas é estúpido.
E por isso acho que uma aquisição destas representa uma injustiça sem justificação e por isso não devia ser feita. Eu diria, se fosse almirante, que é uma estupidez... A situação das finanças públicas agrava ainda mais, claro, todo este quadro, mas nem era necessário tê-la em conta.
Corremos o risco de ver umas dezenas de marujos a divertirem-se à grande com estes brinquedos novos que lhes arranjaram, enquanto os tais "novos pobres" e os velhos pobres vão caindo aí pelos cantos sem nada para comer, batendo à porta do bispo Carlos Azevedo para este lhes arranjar uma bucha.
Ou querem ver que é tudo mentira e que o bispo anda a gozar com a malta e o almirante Matias afinal é que tem razão?
Ou podemos, enquanto rangemos os tridentes de raiva, contabilizar isto como um donativo generoso que estamos a fazer à Alemanha para adquirimos o direito a sair do humilhante grupo dos PIIGs?