2009/04/12

Do abraço da Rainha à tatuagem de Di Maria

Este mundo é extraordinário. Quando o jornalista mordia o cão e era notícia já nos espantávamos. Mas apesar de tudo aí, nessa dentada inexplicável à primeira apreciação, havia qualquer coisa a remeter para a psiquiatria, que pedia assunto, escavar as camadas de sentido e oculto, mais Freud menos subconsciente, mais escândalo programado menos cabeça. Agora as coisas mais idiotas são parangonadas e equiparadas aos grandes acontecimentos, a História entrelaçada na insignificância do salto, alto ou baixo, como este abraço da Rainha depois de a Michelle Obama a ter semi-enlaçado, as duas de costas para as câmaras e máquinas fotográficas – nunca uma dupla traseira ficou tão notada –, os olhos do mundo, os nossos, centrados naquele alto de rabo monárquico e naquele braço ex plebeu, num toque que, bem verificado, é absolutamente inexpressivo, encosto delicado, porventura ali na expectativa de que a Rainha caísse para trás, do cimo da sua provecta idade, as pernas não perdoam.
No tempo de remoer no caso foram-se vários bombistas suicidas, eficazes máquinas homicidas, numa lógica que não quebra e que era necessário quebrar. A irrelevância destes casos mede-se pelo impacto absolutamente rotineiro da notícia. Que valem umas dezenas de mortos lá no Iraque, depois de muitas outras dezenas de mortos, perante um abraço sem cobertura protocolar?
Tantos bombistas e tantos homicídios suicidas que os dias de consumo engolem como uma praga longínqua que, a bem ver, esta coisa do mundo global tem muito que se lhe diga, entre o lá longe e o aqui ao lado.
Localmente informados, ou melhor, desinformados pela montagem e sequência das notícias, modo de aparecer e localização, relevância, página ímpar ou par, primeiro plano mais que de sangue num telejornal que cega, tamanho gigante das letras mas tempo escasso, irreflexão estimulada, corrida para a frente interminável e cumprida diariamente com as cautelas devidas para não acicatar ódios politicamente incorrectos, e o mais que se sabe e não se clarifica, nós caminhamos alegremente pelos trilhos da insignificância alimentada sem a noção de que, na verdade, também somos parte desse mundo. O que qualquer dia nos cairá em cima como um cataclismo. O culto da cegueira é uma estranha coisa, e mesmo que os sobressaltos de racionalidade abram brechas nestes dias a preto e preto como na Branca de Neve do João César, vamos sonhando com a utopia da crítica, essa figura inalcançável e propriedade dos especialistas de opinião – o que será isso? – que vão enriquecendo licitamente nas trincheiras queridas.
Esta do Di Maria estrear uma tatuagem ultrapassa tudo e consola-nos a meio dos funerais de Estado na Itália. Felizmente tudo não passará de um fim de semana no parque de campismo.

5 comentários:

Rui Mota disse...

E o cão? Sim, o "cão de água português", que afinal foi criado no Texas, não deixando por isso de ser menos português? Ou o Durão, que só por ser português já merece o voto de reeleição, apesar do abraço - esse sim, de cumplicidade - ao xerife texano e que agora se revê em Obama. Ah, como o Mundo é pequenino (na acepção da palavra). Valha-nos a Páscoa, já que não há milagres...

Anónimo disse...

Rui Mota, grande lagarto: lamento dizer-te, mas os dois clubes que esta época espetaram 20 (vinte!!) ao teu clube, acabaram agora empatados a 1.
Vinte!!! Nunca tal acontecera , a não ser no nacional de andebol, ou na primeira parte de um jogo de basket. Ou nos 20 minutos de atraso do Fernando Mamede nos jogos olimpicos. Nem o grande Ajax deu tantos ao paupérrimo La Valetta, de Malta. Agora em futebol?!? Só mesmo a lagartagem…
Glória a Bento nas alturas e a Franco nos cafés de Cascais…
Um beijão ao Alex, Laura.
PS (o diabo seja cego...): Parabéns querido Alex, a tua velha Académica lá ganhou na Luz.

Carlos A. Augusto disse...

Chama-se a isto delirium! Espero que não seja tremens...

Rui Mota disse...

Lá tenho que fazer mais uma declaração de interesses: não sou lagarto. Sou águia, de poucas vitórias é certo (ninguém é perfeito).
A vitória da Académica não é merecida, mas fiquei contente pelo Alex...

Carlos A. Augusto disse...

Sinal dos tempos, a falta de espectadores nos estádios de futebol é compensada com comentários nos blogs sobre a matéria... Boa!