Para os leitores do Face Oculta que não são utilizadores do Facebook (eu sou), conto rapidamente como funciona esta "rede social". Qualquer pessoa se pode inscrever. Depois de inscrito, cada um trata de ir construindo a sua "rede", dirigindo convites a pessoas das suas relações, que ainda não sejam utilizadores deste serviço, para se tornarem "friends", ou encontrando, através da pesquisa de nomes ou de endereços electrónicos, gente conhecida que já seja utilizadora do Facebook. Depois de inscrito e de ter a sua "rede" constituída, o novo utilizador do Facebook está pronto a tirar partido deste serviço publicando os seus pensamentos, trocando mensagens, partilhando músicas, fotos, textos ou outro material existente na internet.
Aqui há dias ocorreu uma pequena avalanche no Facebook por causa de um escrito anódino que foi "marcado" como censurável por alguém, que por via dos mecanismos do próprio Facebook tem de ser "friend" do autor do escrito. (*) Esta "marcação" é uma função do Facebook, criada, quero crer, com a melhor das intenções, para denunciar material que possa ser considerado de facto impróprio. Ao "marcar" uma mensagem, um video, ou outra qualquer coisa, é desencadeado um processo que permite aos gestores do Facebook exercer o seu poder discricionário (que ninguém pode contraditar) e "bloquear" o acesso do utilizador a estes serviços. No caso vertente, não só o utilizador, mas também os "friends" que comentaram o seu escrito e até poderiam estar em desacordo com ele, foram impedidos de aceder ao Facebook.
Este episódio, meio ridículo, meio preocupante, desencadeou um movimento enérgico em torno da defesa do direito à livre expressão do pensamento do utilizador do Facebook em causa e dos seus comentadores.
Até ao momento, segundo creio, o movimento não teve consequências e o acesso do utilizador não foi restaurado, mas a sua simples expressão é já sintoma de que algo vai acontecer.
Em última análise os utilizadores do Facebook prejudicados por esta medida mudam-se para outro serviço deste género --tão facilmente como entraram-- e denunciam publicamente este episódio, o que não será bom certamente para o negócio.
As tentativas de controlo da internet, de condicionamento dos seus utilizadores e de limitação dos seus conteúdos, são um atentado intolerável aos direitos individuais, uma absoluta negação do espírito que presidiu à criação e expansão da net e, em última análise, são tentativas condenadas ao fracasso porque podem sempre ser contornadas por um qualquer expediente informático. A proibição é uma palavra proibida na internet e ainda bem.
Por mim, sou contra qualquer tentativa de limitar o uso da internet.
Como diz Francisco Teixeira da Mota num artigo recente do Público "a internet é um direito fundamental". É-o, e é-o cada vez mais, à medida que o seu acesso se universaliza e se simplifica. O Conselho Constitucional francês tomou recentemente uma decisão que é uma prova prática disto mesmo que disse: não é possível, determinou este organismo, restringir por via administrativa o acesso à internet de alguém, mesmo que sobre esse alguém recaia uma qualquer razão específica, legítima, de queixa sobre o uso que faz da rede. Qualquer irregularidade cometida sobre um assunto específico tem que ser tratada no âmbito desse assunto específico. Desta forma --e foi esta questão que esteve na origem da decisão daquele Conselho--, o acesso à internet não pode ser cortado a uma pessoa que tenha feito downloads de música ilegais, por exemplo. Esta é matéria que terá de ser tratada de forma circunscrita.
De forma muito simplificada, é um pouco como se eu estivesse envolvido num acidente rodoviário e me fosse proibido o direito de me deslocar nas estradas. Ou se eu cortasse abusivamente o acesso à agua a um vizinho e fosse proibido de beber água.
Na China, assistimos neste momento a uma tentativa caricata de controlo da liberdade de circulação digital. O governo chinês prepara-se para fazer entrar em vigor a lei designada por "Cancela Verde" que obriga à instalação de software que restringe o acesso à internet. O objectivo, segundo os seus proponentes, é o de filtrar conteúdos pornográficos ou considerados "ordinários". Os chineses, dizem, tentam proteger as crianças.
Este software foi, aparentemente, implementado sem a audição dos fabricantes mas, a par dos seus propósitos mais ou menos virtuosos, parece permitir também bloquear blogs críticos do regime ou vigiar os dados dos computadores pessoais. É, de facto, estranho que a iniciativa e o seu controlo pertençam ao estado e que aos pais, a eles próprios pelo menos, não seja dada a chance de controlar o controlo.
No fundo, deixemo-nos de tretas, trata-se de uma tentativa, no mínimo, canhestra, de privar os cidadãos do uso da estrada, sob o pretexto de controlar acidentes.
A internet e as novas formas de socialização, de interacção e transmissão dos conhecimentos que proporcionam constituem uma nova fase do desenvolvimento humano. O mais empedernido adepto do luddismo concordará com esta observação hoje. Vindas de chineses ou de americanos as tentativas de controlo da internet estão votadas ao fracasso. Mas, há que estar vigilante. É que a viagem na internet não é à borla.
A Europa tem um exemplo forte a dar nesta matéria. A recente eleição de um membro do Partido Pirata da Suécia para o PE é sinal de que os europeus são sensívels a este tema e estão atentos, mais talvez do que se julga.
(*) O episódio está descrito aqui.
5 comentários:
Olá, Carlos Augusto!todos nós sabemos o que o "Grande Panda" pensa das liberdades e das pessoas a quem trata como esterco, como ,aliás, vimos, aquando da repressão dos tibetanos. Por circunstâncias da vida, que não são para aqui chamadas, houve um período, há 15 anos, mais ou menos, em que viajei muito. Fui a Taiwan e à China. no aspecto das porcarias pornográficas a que eles chamam ,agora, "ordinarices", sou-lhe sincera, com todas as letras:nunca vi gente mais " "ordinária"que os chineses! Como tal, não pega essa desculpa de coartar as liberdades para ,num purismo impuro,as defender do "grande mal". É pura ditadura e os chineses são desprovidos de sentimentos, no confronto com os seus cidadãos.
Beijo de lusibero
O problema, Maria Elisa, é que tanto faz serem chineses, como americanos... Quando se trata de aplicar a canga isto é tudo a mesma coisa. Por isso eu digo que só há uma solução: temos de estar atentos, nós!, exercer permanentemente os nossos direitos (e deveres!) de cidadãos e exigir que os outros façam o mesmo.
De outro modo, nem há moralidade, nem comem todos...
Tem razão, Carlos...esquecia-me dos americanos!Se o carlos já esteve na tailândia e se visitou , em bangkok o "patpong",não se pode esquecer que foram eles que criaram esse bairro da mais degradante prostituição ,aquando da guerra da Coreia...
Beijo de lusibero
Já andava há uns tempos arrependido por ter caído na esparrela de criar um "perfil" no dito Facebook, embora nunca tenha lá posto mais nada senão links para posts do "Cantigueiro".
Mesmo assim, este texto e esta estória, foram um belo pretexto para ir lá e desactivar aquilo.
Os "milhões" de amigos, se quiserem contactar-me podem sempre escrever, telefonar, vir cá...
Abraço.
Samuel, não queria contribuir para o desmantelamento do FB...
O princípio desta e das outras "redes sociais" é aceitável. Mas, como perguntava o Manuel Halpern no post do Blogue de Letras "quem se esconde por trás do livro dos rostos"?
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