2012/08/10

Selvajaria

"A hipóteses de extinção da Fundação [Paula Rego] é grotesca, despropositada, uma selvajaria," diz António Capucho.
Selvajaria, recordemo-lo, é coisa de selvagem, alguém gosseiro, rude, animalesco, que responde apenas a instintos básicos. Capucho está a sugerir que os membros da coligação que está no poder e assegura, neste momento, a governação do país podem ser capazes de actos de selvajaria. Membros do seu próprio partido e do CDS, portanto.
Selvajaria opõe-se a civilização. O selvagem é alguém que reage por instinto, sem inteligência e desorganizadamente, que não contrbui para o progresso da sociedade. Inteligência, organização, progresso social são atributos de uma sociedade civilizada. Segundo António Capucho, a coligação PSD/CDS pode portanto não se encaixar nos parâmetros mais básicos de definição de civilização.  Concordo com Capucho. Ele acerta em cheio quando emprega o termo selvajaria para caracterizar o caso da Fundação Paula Rego.
Capucho descobriu tudo isto agora, em boa hora entenda-se, a propósito de uma questão perfeitamente legítima. Mas, o comum dos portugueses já o tinha descoberto há muito tempo. Já tinha percebido que estávamos perante actos de selvajaria pura quando viu os seus direitos mais básicos, duramente conquistados, serem desrespeitados, quando lhe foi roubado, sem respeito pelos seus direitos constitucionais, uma parte do seu salário, quando foi ilegitimamente sobrecarregado com novas taxas, à vista ou encapotadas, quando perdeu o emprego e viu os mecanismos de perda do emprego serem facilitados, quando viu o acesso ao subsídio de desemprego ser dificultado, quando viu o seu direito à saúde, à educação, à justiça ser simplesmente trucidado pelos selvagens da actual coligação, em nome de uma racionalidade nunca explicada e de um equilíbrio orçamental que, na prática, mais não faz do que manter os privilégios dos que mais têm. O comum dos portugueses já o tinha descoberto quando constata que quem assina o cheque não é responsabilizado, e vê o ónus da situação actual ser-lhe atirado para cima, numa enorme encenação de culpa colectiva que ao responsabilizar todos, em abstracto, apaga o papel dos verdadeiros responsáveis. O comum dos portugueses já o tinha descoberto quando, em tempos de austeridade, percebe que o aparelho partidário criado por estes selvagens continua a manter o controlo do acesso à administração apertado, de forma a que a ela e aos seus privilégios de excepção apenas tenham acesso os membros da selvática confraria. Tal como fizeram os membros da selvática confraria que os precedeu. O comum dos portugueses já tinha percebido a dimensão da selvajaria quando em tempos de aperto financeiro, de cortes generalizados, de redução dos serviços públicos na saúde, na educação, na cultura, da insegurança causada pelo desemprego galopante e pela precariedade do emprego, é a polícia a única entidade a quem cabe o privilégio dos aumentos e da dotação de novos meios. O comum dos portugueses sabe tudo isto.
Selvajaria pura é de facto a única forma de classificar o período da nossa História que estamos a viver. Retrocesso civilizacional é o que se passa hoje. Capucho deve agora levar as consequências do que afirmou até ao fim, sem rodriguinhos de retórica.

1 comentário:

Rui Mota disse...

Não deixa de ser irónico, o Capucho, conselheiro de estado cavaquista estar contra a extinção de uma Fundação na "sua" vila...
Um gajo, que foi sempre contra Passos Coelho, está a provar do próprio fel. É bom que os compadres se zanguem. Assim, vão-se sabendo as verdades...